12/02/2013
Editorial O Estado de São Paulo
Em mais uma iniciativa centralizadora e intervencionista, o Ministério da Educação (MEC) agora quer decidir o local onde faculdades de medicina poderão ser instaladas. Para o governo, no Brasil não há falta de médicos, mas, sim, má distribuição desses profissionais pelo território nacional. Cerca de 70% dos médicos brasileiros vivem e trabalham nas Regiões Sul e Sudeste.
Para corrigir essa situação, o MEC só autorizará a criação de novos cursos de medicina onde há carência de médicos - especialmente nos Estados mais pobres, como Bahia e Maranhão, que têm as piores proporções de médicos por habitantes em todo o País. Com isso, o governo quer estimular os novos médicos a se fixarem em cidades do interior e nas regiões mais atrasadas e evitar a abertura de novas faculdades de medicina nas áreas onde há ampla oferta de matrículas - como no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Entre outras exigências, os editais deverão apontar as cidades que têm infraestrutura para receber alunos, como leitos de hospital e residência médica em áreas consideradas prioritárias pelo Ministério da Saúde, como ginecologia, pediatria, cirurgia e clínica médica. A demanda de médicos também vai nortear a ampliação das vagas nas faculdades de medicina já existentes. As instituições interessadas terão de comprovar a "demanda social" por profissionais médicos na região de saúde do curso. Segundo o Censo da Educação Superior 2011, o Brasil forma 17 mil médicos por ano. Atualmente, há 187 cursos de medicina em funcionamento, com 108 mil alunos matriculados. Em 1992, eram 83 cursos. No ano passado, a presidente Dilma Rousseff lançou o Plano Nacional de Educação Médica, para aumentar em 4,5 mil o número de médicos formados anualmente.
Introduzidas por uma portaria, as novas regras valerão apenas para as instituições privadas de ensino superior e para as universidades federais. As universidades estaduais têm autonomia garantida pela Constituição.
O governo também quer que as principais instituições de ensino superior e os hospitais de referência - como o Albert Einstein, Sírio Libanês e Oswaldo Cruz - elaborem projetos e se submetam às concorrências que serão abertas pelo MEC. "Gostaria que as melhores faculdades do Brasil, as excelentes universidades privadas e os hospitais de excelência concorressem. Seria fantástico", diz o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
Na realidade, se há algo fantástico nessa iniciativa é seu caráter demagógico. A proposta de Mercadante agride o bom senso. Se há déficit de médicos em muitas cidades do interior, isso não decorre da localização das escolas de medicina, mas dos baixos salários oferecidos pelos municípios e Estados e da falta de condições de trabalho, como equipamentos, salas de cirurgia e residências médicas. Isso já foi evidenciado quando o governo federal tentou autorizar a revalidação automática dos diplomas expedidos por faculdades de medicina argentinas, bolivianas e cubanas, dispensando seus portadores do exame de proficiência e habilitação. A justificativa foi a de que eles atenderiam à demanda de profissionais de saúde em regiões pobres.
Na época, o Conselho Federal de Medicina e a Federação Nacional dos Médicos afirmaram que, uma vez autorizados a clinicar, os médicos formados no exterior migrariam para os centros mais desenvolvidos, onde os salários são mais altos e estão instalados os hospitais de referência. As duas entidades alegaram que o problema da má distribuição de médicos pelo País será vencido apenas quando o poder público criar uma "carreira de Estado" específica para os médicos do Sistema Único de Saúde e assegurar um mínimo de infraestrutura para os hospitais e Santas Casas das pequenas comarcas do interior.
Em vez de fazer o que não lhe cabe - usurpar prerrogativas de universidades e a liberdade de escolha da iniciativa privada e centralizar o ensino superior, a pretexto de "interiorizar" as escolas de medicina -, o governo deveria melhorar a qualidade do ensino das faculdades já existentes. No último exame do CRM, quase 55% dos formandos de São Paulo erraram 60% dos testes.
Editorial do jornal O Estado de São Paulo, publicado no dia 11 de fevereiro.