02/08/2006
De mãos dadas
Mais da metade da população que procura atendimento gratuito é assistida em instituições privadas. Os valores repassados pelo
Ministério da Saúde ficaram sem qualquer reajuste de 1994 a 2002, o que resultou num déficit de até 110%.
A Constituição Federal assegura que a saúde é um direito que deve ser garantido pelo Estado. Na realidade, a maioria dos
hospitais públicos não consegue atender sozinho à demanda por atendimento. Pouca gente sabe, mas a rede privada também desempenha
importante papel de assistência à população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, 3.495 hospitais privados
atendem pelo SUS, sendo responsáveis por 62% dos atendimentos realizados. Os estabelecimentos chegam a fazer, aproximadamente,
30,4 milhões de atendimentos por mês. Ou seja, mais da metade da população que procura atendimento gratuito é assistida em
instituições privadas. Ao contrário do se apregoa, as duas redes não são, de forma alguma, excludentes. Para que a população
seja atendida da melhor forma, a parceria entre instituições privadas e públicas é primordial.
Embora a crise no setor público seja uma das principais ameaças a essa parceria, a rede privada tem tornado-se cada vez
mais incapaz de honrar esse acordo de cooperação. A Federação Brasileira dos Hospitais (FBH) vem lutando para que a tabela
do SUS seja reajustada e as instituições privadas também consigam sair de uma crise instalada há anos. Os valores repassados
pelo Ministério da Saúde ficaram sem qualquer reajuste de 1994 a 2002, o que resultou num déficit de até 110%. As maiores
disparidades se encontram na área de média complexidade, ou seja, aqueles procedimentos que são feitos com maior freqüência
e realizados em hospitais de pequeno e médio porte. A defasagem dos valores desses procedimentos determina uma dificuldade
de atendimento, pois a grande maioria dos prestadores não tem como realizá-los por apresentarem preços abaixo de seus custos
operacionais.
Enquanto um novo reajuste não sai, os hospitais continuam se endividando para garantir o atendimento à população, dando
seqüência a um processo que beira o colapso da rede. A grande diferença entre os valores de pagamento do SUS e os custos reais
de diversos procedimentos provoca grande estrangulamento no setor. Para minimizar a grave situação da rede privada, a FBH
está engajada na aprovação do projeto de lei complementar (PLC 01/2003) que regulamenta a Emenda Constitucional 29. A emenda,
aprovada em 2000, foi uma importante conquista da sociedade na consolidação do SUS, pois colaborou para que o processo de
financiamento do sistema ficasse mais firme, ao estabelecer a vinculação de recursos nas três esferas de governo. O PLC 01/2003
foi, por mais de dois anos, amplamente debatido com as entidades dos usuários, profissionais e prestadores de serviço e determina
que o gasto anual mínimo da saúde seja fixado em 10% das receitas correntes da União, permanecendo os estados obrigados a
destinar no mínimo 12% dos seus orçamentos próprios à saúde, percentual que no caso dos municípios é de 15%.
Outro dispositivo que colabora para o funcionamento dos hospitais privados é a aceitação de planos de saúde. As instituições
particulares que atendem ao SUS podem complementar sua receita, seguramente insuficiente, atendendo aos planos de saúde, que
embora estejam remunerando mal, remuneram bem melhor que o sistema. Nos grandes hospitais privados, o percentual de pacientes
particulares se situa entre 8% e 10% do faturamento, logo não há como viver sem os convênios. No entanto, os planos de saúde
praticam regras com as quais a FBH não concorda, como atrasos de pagamentos e dificuldades de autorizações para determinados
procedimentos.
O quadro atual da rede privada apresenta uma crise aguda, que muitas vezes resulta no fechamento de hospitais. No entanto,
a rede continua a ser parceira dos hospitais públicos e tem tentado, a duras penas, cumprir a missão de colaborar no atendimento
da população brasileira. Portanto, investir nos hospitais privados, indiretamente, por meio do reajuste da tabela do SUS,
é complementar o atendimento, oferecendo melhor serviço de saúde para uma parcela mais ampla da sociedade.
Fonte: Correio Braziliense, Eduardo de Oliveira, Presidente da Federação Brasileira de Hospitais