08/07/2013
Em entrevista à Folha de Londrina, o presidente do CRM-PR afirma que a solução é aumentar aporte de recursos no setor
O presidente do CRM-PR, Alexandre Gustavo Bley, concedeu entrevista ao jornal Folha de Londrina para falar sobre os temas que envolvem os protestos médicos em todo o país. A matéria foi publicada no dia 30/06/2013. A reportagem é de Rubens Chueire Jr. Acompanhe abaixo.
A classe médica vai às ruas. Entidades representativas dos profissionais da saúde preparam para quarta-feira uma mobilização em todo o Brasil contra a decisão do governo de trazer médicos do exterior sem a revalidação do diploma. A medida foi uma das muitas divulgadas pela presidente Dilma Rousseff em resposta às manifestações que tomaram conta do País nas últimas semanas.
Representantes de conselhos, associações, sindicatos e sociedades de especialidades criticaram a posição da União e, inclusive, declararam, em carta aberta, "o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, como persona non grata para a sociedade por adotar medidas eleitoreiras que colocam em risco a vida e a saúde dos brasileiros".
Conforme Alexandre Gustavo Bley, presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), o governo deveria discutir a estrutura do sistema de saúde do País como um todo, levando em conta também a necessidade de valorização da carreira. "Tem que existir projetos de Estado e não de governos. Ou seja, definir como vai funcionar a saúde deste País, independentemente de partido", argumentou Bley.
A decisão de trazer médicos do exterior, anunciada pelo governo federal, é uma das medidas tomadas em resposta às manifestações das ruas. Como o CRM-PR avalia essa alternativa?
O governo tentou desviar o foco ao não discutir a estrutura da saúde do País. Colocou como se a culpa do Sistema Único de Saúde (SUS) não funcionar fosse do médico. Ou seja, a falta de médicos está fazendo com que o SUS não funcione. A proposta de trazer profissionais de fora do Brasil está gerando uma revolta muito grande e não só da classe médica, mas da própria população. Os pacientes que chegam ao consultório comentam com a gente. Então essa é uma preocupação que a gente tem porque não adianta ficar trazendo profissional, ainda mais da forma que o governo quer. O que precisamos é discutir um pouco mais a fundo o que a gente pensa e quer em matéria de saúde. E acredito que esta discussão o governo não quer ter, porque vai terminar percebendo que é necessário um aporte maior de recursos. E é tudo que ele não quer no momento.
As entidades médicas questionam a necessidade de profissionais estrangeiros e a falta de obrigatoriedade de revalidação dos diplomas, da comprovação da qualificação destes médicos?
São duas coisas distintas. A primeira questão é que não somos contra a vinda de médicos estrangeiros. Não tem cabimento existir este tipo de contrariedade porque as pessoas têm o livre trânsito dentro dos países, desde que sigam as leis destes locais. Se eu quero trabalhar nos Estados Unidos tenho que passar pelo processo de revalidação do diploma, ficar anos e voltar a fazer o programa de residência. Na Inglaterra, na Austrália, é da mesma maneira, citando os países mencionados pela presidente Dilma Rousseff. Ela ainda disse que o número de médicos estrangeiros no Brasil é muito pequeno comparado a estes países. Mas isso é uma questão óbvia. Qual o atrativo que o Brasil tem para estes estrangeiros virem para cá? Esse é um ponto. Querem dizer que os conselhos de medicina são contra, que estão sendo corporativistas, mas isso não tem nada a ver. O que queremos é que, se estes profissionais vierem, que eles tenham seus diplomas revalidados, façam testes de suficiência do conteúdo, de sua capacidade e da mesma forma, se conseguem se comunicar na língua portuguesa. A relação médico-paciente é de comunicação. Se não existe uma comunicação adequada, isso pode gerar prejuízos ao paciente.
A outra questão, na visão do governo, é de que faltam médicos. O que a gente verifica, na realidade, é uma má distribuição dos profissionais. É muito precipitado o governo afirmar isso, baseado nos números de outros países. O governo colocou um número mágico de 2,5 médicos por mil habitantes, sendo que hoje já estamos com praticamente dois por mil habitantes e chegaremos aos 2,5 nos próximos anos, naturalmente. O que precisamos é criar um programa de interiorização, com uma estrutura melhor e também uma valorização através da carreira para os profissionais. Só depois de tudo isso é que se pode analisar e afirmar se realmente faltam médicos.
O governo anunciou uma medida geral, mas ela não pode impactar de maneiras diferentes em cada uma das regiões do País.
Na realidade tem que haver uma restruturação baseada no número populacional e na regionalização da saúde, não tenha dúvida. Será que toda cidade tem que ter um hospital? Tem cidades em que verificamos unidades com 10, 15 leitos, e que não se sustentam. O que temos que ter é um acesso integral à atenção básica. Temos que ampliar a rede em todo o País e, de forma regionalizada, de acordo com os nichos populacionais. Espalhar as unidades 24 horas, que deveriam ser mais bem aparelhadas, com equipamentos de raio-X, exames laboratoriais, entre outros. Só a partir desse momento é que se teria uma rede referenciada de hospitais, onde os moradores daquela região sabem quais estão à disposição. Assim o médico não precisaria ficar no telefone para tentar achar uma vaga, como acontece agora. Nesse exato momento da entrevista com certeza tem um médico tentando buscar vaga para alguém. Temos que acabar com isso. A população precisa de muito mais respeito em relação à sua saúde.
Se nós não atuarmos neste campo, não vejo uma saída para a saúde deste País. Se você analisar o mapa de distribuição de médicos é o mesmo mapa da distribuição de hospitais, da concentração das redes de diagnóstico e de onde se concentra o maior nível de desenvolvimento. A medicina não se faz mais com estetoscópio e um aparelho de pressão que o médico carregava na malinha e ia até a casa das pessoas. Esta medicina preventiva tem que ser estimulada através da atenção básica, com incrementos de tecnologia que o povo merece.
O governo também mencionou a criação de 11 mil novas vagas em escolas de medicina. Qual impacto deste anúncio e como está, atualmente, a qualidade dos cursos no País?
O próprio ministro Aloízio Mercadante (da Educação) usou uma frase que dizia: "Acabou o balcão de negócios". Essa frase é muito forte. Ou seja, até então, a abertura de escolas era um balcão de negócios, quem dá mais, leva mais. Hoje temos instituições que não têm um hospital-escola, existem convênios para que os alunos desenvolvam a parte prática. Entretanto, quem está supervisionando os estudantes? Acabam sendo os médicos que não têm comprometimento com o ensino, sem vocação para serem professores, mas estão tendo que atuar e ajudar estes alunos e ensiná-los alguma coisa. Isso é um absurdo, uma escola desta tinha que fechar as portas. De uma forma geral não somos contra a abertura de escolas, desde que exista um critério técnico e de suficiência. Aquelas com estrutura e com um corpo docente capacitado têm que ser abertas. Então me preocupa a abertura de mais 11 mil vagas. Como vão fazer isso? Vão criar novas escolas ou ampliar o número de vagas nas instituições já existentes? Apenas deixaram isso no ar. O governo demonstrou um certo desconhecimento e um despreparo. Para você falar algo nesse sentido, tem que ter um programa muito bem definido, e não simplesmente jogar para ver o que a torcida vai dizer. Acho que esse é um ponto importante.
Outra ideia é encaminhar os formandos para atuar no programa Saúde de Família. Isso funcionaria?
O governo tem que analisar a questão da especialidade. Se o projeto é sobre o programa Saúde da Família, vamos ampliar as residências, mas com acompanhamento, supervisão e pessoas realmente capacitadas para ensinar estes novos médicos a atuar nesta área. É uma prerrogativa do governo analisar as áreas de necessidade maior e ampliar o número de residências nestas áreas. Isso é função deles, mas dentro de instituições que a gente sabe que vão ter uma formação adequada.
A falta de valorização profissional também é um empecilho para que os médicos sigam para o interior?
Você não tem uma segurança para planejar sua vida. Se desloca para uma cidade com sua família para trabalhar três, quatro meses, e às vezes por questões políticas, o prefeito te manda embora. Essa é uma grande dificuldade que a gente vivencia, a alta rotatividade em sistema público, principalmente em cidades do interior. Então é importante que haja um plano de carreira, com salários dignos, para que os profissionais possam desenvolver uma medicina de qualidade. Hoje o que vemos no interior é quantidade. Cobra-se quantidade de atendimentos e e quem sai no prejuízo é a população. E muitas vezes o profissional pode ser responsabilizado por qualquer falha, já o gestor está numa zona de conforto. Temos que mudar este paradigma e começar a responsabilizar os gestores. Os profissionais precisam ser mais bem valorizados. Se não houver também um plano de carreira para interiorizar, com concurso público, não vai dar certo.
É perceptível que a clínica geral e a pediatria estão sendo deixadas de lado por outras especialidades. De que maneira isto impacta no sistema de saúde?
Há muito tempo as cadeiras básicas estão desvalorizadas. O processo de desvalorização está muito grande, seja por parte do governo ou da iniciativa privada. Numa consulta por um convênio, por exemplo, uma pediatra vai receber cerca de R$ 40, não há valorização, reconhecimento. Da mesma forma um obstetra, um clínico geral. Algumas especialidades onde existe uma tecnologia agregada é onde acaba tendo migração. E isso é um efeito de mercado que infelizmente atingiu a saúde. Hoje ele dita regras em praticamente tudo, e na medicina não é diferente. O profissional se forma e verifica que determinadas áreas não têm nenhuma valorização. Então novamente, se não resgatarmos tudo isso a medicina vai ficando cada vez mais superespecializada e as cadeiras básicas vão ficando de lado.
A regulamentação da Emenda Constitucional 29, que trata sobre os valores mínimos a serem aplicados na saúde, foi regulamentada em janeiro. O governo federal aumentou os gastos no setor desde então?
A EC 29 trazia uma questão tripartite de financiamento. O município arcava com 15%, o Estado com 12% e o governo federal garantia 10% de sua receita bruta. O que aconteceu foi que a presidente vetou os 10% que o governo federal deveria arcar. Como resultado, foram quase R$ 30 milhões a menos na saúde. Então isso impacta diretamente na situação atual. É complicado falar em saúde num país continental como o Brasil e num sistema que prega a universalidade, e não ter dinheiro. O Hospital de Clínicas da UFPR (Universidade Federal do Paraná), aqui em Curitiba, por exemplo, está morrendo. Está sofrendo um processo de morte por sufocamento porque o governo federal não abre mais concurso. Não estão conseguindo repor funcionários e profissionais. Não há novos concursos e a verba está diminuindo. O hospital está encolhendo. Os leitos estão sendo pouco utilizados porque não há profissionais para tocar o serviço. A verdade é que o governo tem que encarar a saúde como prioridade, existem questões que são essenciais, que fazem parte da dignidade humana. O direito à vida e, consequentemente, à saúde, é essencial e o governo não pode brincar com isso. Tem que existir projetos de Estado e não de governos. Ou seja, definir como vai funcionar a saúde deste País, independentemente de partido.
O governo federal chegou a consultar o Conselho Federal de Medicina ou outra entidade médica antes de anunciar estas medidas?
O Conselho já cansou de falar sobre o assunto e fizemos passeatas no dia 25 de maio em diversas cidades do Brasil e do Paraná, chamando a atenção sobre o anúncio de trazer médicos de fora do País sem revalidação. Dizem que eles eles vão ficar por dois, três anos. Mas a situação não muda. Nosso país é conhecido como o lugar em que o provisório vira definitivo. Todo puxadinho que se constrói não é por um tempo determinado, é infinito, fica até a hora que cai. Já somos conhecidos desta forma. É o país do arranjo, do puxado, mas não podemos permitir este tipo de coisa. Já cansamos de falar, de alertar.