25/09/2019

Cardiologista faz caminho de volta e atua no Hospital de Santa Cruz, região de Lisboa

Dr. João Gustavo Gongora Ferraz (CRM-PR 23.772), formado pela Faculdade Evangélica em 2007, pôs em prática sonho de viver fora do Brasil, reproduzindo caminho feito pelo pai, há mais de 50 anos

Desde muito jovem, o médico cardiologista João Gustavo Gongora Ferraz (CRM-PR 23.772) possuía dois objetivos: tornar-se médico e morar fora do país. Embora o desejo pela profissão não tenha uma origem específica, visto ser o único médico da família, o sonho de explorar terras além-mares, sim. Filho do português Acácio Manuel Correia Franco Ferraz, que imigrou para o Brasil ainda adolescente, e de Maria José Silva Gongora, Dr. João fez, há quatro anos, o caminho de volta daquele realizado por seu genitor. Assim, atualmente, ele integra o serviço de Arritmologia do Hospital de Santa Cruz, localizado na região metropolitana de Lisboa (Carnaxide).

clique para ampliarclique para ampliarDr. João reside em Portugal com a família há quatro anos (Foto: Arquivo pessoal)
Paranaense natural de Maringá, Dr. João formou-se pela Faculdade Evangélica de Medicina em 2007, tendo conquistado o título de especialista em Cardiologia pelo Hospital da Cruz Vermelha do Paraná, no ano de 2011. Foi durante esse período que ele descobriu a vocação para a ecocardiografia e a arritmologia.

Após obter a titulação, Dr. João atuou em alguns hospitais e principalmente em sua clínica particular. Nessa época, ouviu do professor de uma pós-graduação em Gestão de Saúde que estava cursando o conselho que o faria resgatar um plano até então adormecido. “Ele comentou que, geralmente, as pessoas que conseguem deixar sua zona de conforto e apostar em algo incerto são as mais bem-sucedidas.”


clique para ampliarclique para ampliarFamília Ferraz no Parque Eduardo VII, na Praça Marques de Pombal, com o rio Tejo ao fundo (Foto: Arquivo pessoal)
O conselho reacendeu-lhe o antigo sonho de viver fora do Brasil, em especial, na Europa. “Minha mãe diz que sou bastante parecido com meu pai, de querer explorar o mundo. Juntando a isso o fato de que passávamos por uma crise no país e o nascimento de minha filha, decidi que era hora de mudar”, conta. O cardiologista enviou vários currículos, principalmente para Portugal, e em poucos meses as respostas começaram a chegar.

Nesse momento, o apoio especial da esposa e de dois colegas da área é lembrado com carinho pelo paranaense. “Não poderia deixar de citar os Drs. Enio Eduardo Guérios e Paulo Maurício Piá de Andrade, que me deram grande apoio e segurança, dizendo que se não desse certo me receberiam de volta”, ele conta. “Sempre que vou ao Brasil faço questão de ir ao Hospital Pilar visitá-los.”

Revalidação do diploma

A mudança para outro país traria alguns desafios adicionais à família Ferraz, além da adaptação a uma nova cultura. A obtenção da validação do diploma em Medicina (e em Fisioterapia, no caso de sua esposa, Cristiane Ochinski) e da nacionalidade portuguesa a todos os integrantes da família foi bastante burocrática, levando algum tempo para todos os processos serem concluídos.


clique para ampliarclique para ampliarCidade de Lisboa (Foto: iStock)
No caso do Dr. João, ele deveria realizar a chamada “Prova de Estado”, equivalente ao Revalida no Brasil, aplicada por uma faculdade de Medicina. O cardiologista explica que a prova segue atualmente um modelo unificado, sendo aplicado pelas faculdades públicas do Porto, Lisboa ou Coimbra, geralmente na metade de cada ano.

Uma vez aprovado nas duas fases do exame – escrita e prática –, o médico precisa realizar uma prova de Terminologia Médica, que testará a proficiência do profissional na língua, para, então, obter a inscrição na Ordem dos Médicos. “Com essa inscrição, o profissional estará habilitado para atuar em Portugal como médico indiferenciado (nome dado ao médico sem especialidade) e, após dois anos de inscrição, essa autorização se estende aos países da União Europeia, dependendo apenas da proficiência na língua de cada país específico”, explica.

Sistema de Saúde 

O médico explica que o sistema de saúde em Portugal é baseado na Medicina de Família. "Todo cidadão tem o seu médico de família. É ele que faz tudo, consultas, encaminhamento para especialista, todo o acompanhamento do paciente em geral." Assim, os profissionais estrangeiros que obtêm o registro da Ordem geralmente iniciam seus trabalhos nas urgências dos centros de saúde e dos hospitais. Para Dr. João, a adaptação foi bastante tranquila. “Os portugueses gostam muito da empatia do brasileiro, principalmente porque a população é bastante idosa”, afirma.

clique para ampliarclique para ampliarDr. João com a Dra. Anaí Durazzo e o Dr. Pedro Adragão, chefe da equipe de Arritmologia do Hospital de Santa Cruz (Foto: Arquivo pessoal)
Já sobre o relacionamento com os colegas de profissão, o processo foi mais lento. “Claro que existe um receio por parte dos médicos portugueses, assim como existe no Brasil em relação aos profissionais que vêm de fora”, pondera. “Isso nos obriga a provar ainda mais a nossa capacidade, mas, uma vez que a gente conquista a confiança de nossos pares, as coisas se tornam muito mais fáceis, e não falta trabalho”, garante o médico, que integra atualmente a equipe de Arritmologia do Hospital de Santa Cruz, sob o comando do cardiologista Prof. Dr. Pedro Adragão.

O Dr. João Gustavo explica que a saúde no país é tendencialmente gratuita (terminologia trazida pela lei Portuguesa). Baseados na equidade, os valores dos procedimentos realizados são compostos de taxas moderadoras de acordo com a renda da pessoa. Para tanto, o Sistema de Saúde é interligado ao Financeiro, de forma que os valores referentes a cada indivíduo sejam conhecidos automaticamente.

Nesse sistema, cada macrorregião possui seu hospital de referência, obrigatoriamente polivalente. “Assim, não existe central de leitos, por exemplo. Se o cidadão reside naquela região, o hospital não poderá negar atendimento a ele caso precise ser encaminhado de algum Centro de Saúde ou qualquer outro hospital Português, seja ele público ou privado”, explica o cardiologista.

Certificação de Especialidade

Em relação às especialidades médicas, Dr. João explica que é possível para o profissional  estrangeiro regularmente inscrito na Ordem dos Médicos atuar dentro de sua área em Portugal, desde que tenha um tutor, que se responsabilizará solidariamente por todos os atos médicos praticados. Para se obter a Certificação da Especialidade, no entanto, existem regras específicas de cada Colégio de Especialidades. 


clique para ampliarclique para ampliarO médico com a filha, Rafaela, e a Torre de Belém ao fundo, um dos cartões-postais da capital portuguesa (Foto: Arquivo pessoal)
“Nem todas as especialidades concedem equivalência, e as regras mudam bastante entre uma e outra”, explica. Em alguns casos, são exigidos, além das comprovações de conteúdo e de experiência profissional, provas objetiva e oral. Em outros, o médico somente poderá atuar dentro daquela especialidade se fizer novamente a residência, chamada de “internato”.

No caso do Dr. João, ele acredita que contou com uma boa dose de sorte. Logo que chegou a Portugal, conheceu outra médica brasileira, a Dra. Anaí Durazzo. Paulistana e egressa do Incor, ela havia recém-conquistado a equivalência da Cardiologia. “Ela foi minha grande tutora. Assim, fiz algumas equivalências curriculares, de forma a adequar meu currículo ao exigido pelo Colégio de Especialidades”, lembra o médico.

Somente depois de cumprir as horas necessárias, ele foi autorizado a prestar a prova de equivalência, que ocorreu no ano passado, na cidade de Braga. “Foram dois dias de prova, com todas as fases eliminatórias, uma curricular, um estudo de caso e uma última fase de prova oral”, lembra-se. Após todo o escrutínio, Dr. João obteve, finalmente, o título reconhecido.

Origem portuguesa

A história do Dr. João com Portugal remonta à geração anterior da família. Seu pai, Sr. Acácio Manuel, chegou ao Brasil em 1961, aos 18 anos. O país enfrentava uma guerra com as antigas províncias de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, a chamada Guerra Colonial ou Ultramar, e impunha o alistamento obrigatório aos jovens portugueses. 


clique para ampliarclique para ampliarA Catedral de Maringá, que foi construída com a ajuda do Sr. Acácio Manuel, engenheiro civil, pai do Dr. João (Foto: iStock)
Chegando ao Brasil, o Sr. Acácio instalou-se na região de Guaíra, onde permaneceu até a chegada de alguns primos, com os quais se mudou novamente, desta vez para a cidade de Maringá. Ali, ele ingressou em uma das primeiras turmas de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Maringá (UEM). “Meu pai era uma pessoa extremamente ativa na comunidade; ajudou a construir o Centro Português de Maringá e outros prédios importantes na cidade, além de desenvolver o projeto da Catedral”, conta o Dr. João, orgulhoso. 

Como ainda tinha muitos parentes residindo do outro lado do Atlântico, o Sr. Acácio Manuel costumava voltar a Portugal com frequência, principalmente para visitar as duas irmãs que ainda lá residiam, até o seu falecimento, há seis anos. D. Maria José, mãe do Dr. João, mora em Curitiba, onde também vivem seus outros dois filhos: Antônio Gabriel, primogênito, que é engenheiro, e Paulo Roberto, irmão gêmeo do cardiologista, que é advogado.

Vida em Portugal

Uma das grandes razões apontadas pelo médico para se viver em Portugal é a segurança. “Moro em Oeiras, a poucos minutos de Lisboa e de Cascais. O hospital em que trabalho e a clínica de cardiologia onde também atendo ficam perto da minha casa, vou de trotinete elétrica todos os dias”, ele conta. O fator segurança é comum a muitos médicos brasileiros que ele conhece no país.


clique para ampliarclique para ampliarDr. João com os pais, Acácio Manuel e Maria José, além dos irmãos Antônio e Paulo (Foto: Arquivo pessoal)
Além disso, Dr. João afirma que a família se adaptou naturalmente à nova rotina. Sua filha, Rafaela, que tinha três anos quando saíram de Curitiba, foi a que mais rapidamente se integrou à vida no novo país. “Ela gosta muito daqui; para o aniversário de sete anos, já me disse que não vai querer festa, mas sim passear.” Sua esposa, Cristiane, também obteve a nacionalidade portuguesa e a validação de sua formação em Fisioterapia, e está trabalhando na área.

Encantado com a vida na terra natal de seus antepassados, o Dr. João Gustavo não faz planos de voltar definitivamente ao Brasil. A beleza do país, com sua tradicional culinária e ótimos vinhos, aliada à proximidade de muitos locais para se conhecer, são-lhe fatores de grande estima. “Amo viver neste país. A vida em Portugal é relativamente barata, com uma qualidade de vida muito boa. Aqui não se fica rico, mas se vive muito bem. Hoje dou graças a Deus ter escolhido esse caminho, não me arrependo. Nada disso seria possível se não tivesse o grande apoio da minha esposa, familiares e amigos. Tenho certeza de que meu pai, esteja onde estiver, está orgulhoso de mim.”

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