19/11/2008

Captação de dados de receitas médicas levanta debate ético

Drogarias repassam informações, como CRM do médico, para pesquisas de mercado


Os laboratórios farmacêuticos multinacionais que operam no Brasil admitem que atualmente até 15% das 35 milhões de prescrições médicas feitas por mês no País são captadas pelo setor. Por meio de empresas que realizam pesquisas de mercado, as farmacêuticas recolhem dados das receitas no momento em que são apresentadas nas farmácias. São informações como o nome do médico, o medicamento recomendado e se a compra foi de um remédio de marca ou genérico.

No Brasil, a legislação sanitária obriga a retenção de dados das receitas apenas no caso de medicamentos de uso controlado, como psicotrópicos - isso não implica autorização, também neste caso, para o livre repasse dos dados.

O que para a indústria é um movimento normal de acompanhamento das vendas e da concorrência, para entidades médicas e de farmacêuticos é a prova de um comportamento antiético, em razão da possibilidade de violação do sigilo entre médicos e pacientes e até mesmo de que dados pessoais de doentes possam ser mal utilizados.

A captação de dados das receitas por meio de grandes redes de farmácia é uma preocupação que os médicos ligados a órgãos da classe manifestam há anos, por entender que, ao saber o que prescrevem, a indústria pode direcionar ações de marketing para determinados profissionais e até pressionar por um aumento das prescrições de determinadas drogas.

Mas como não havia provas, o tema era tratado somente como suspeita no meio médico. Hoje, no entanto, qualquer consumidor pode verificar a captação de dados de sua receita nos próprios estabelecimentos, tal o entendimento do setor de que não há irregularidades nisso.

O Estado verificou que em pelo menos três grandes redes de São Paulo - Drogão, Drogasil e Droga Raia - o registro do médico (CRM) é recolhido em pequenos boletos de papel, com informações tais como se a compra foi realizada via convênio médico.
Assim que o cliente mostra a receita, os dados são anotados no boleto pelo balconista, que coloca o pequeno papel na sacola do comprador. No caixa, os dados são digitados no computador antes da finalização da compra.

O gerente de marketing do Drogão, Nelson de Paula, destaca que as farmácias recolhem vários dados para o acompanhamento das preferências dos clientes e das vendas. "É uma massa de dados. Tanto podemos ter o CRM como o registro de um dentista. É evidente que isso passa por um instituto de pesquisa e há muitas variáveis que podem ser analisadas", afirma. "Ao meu ver é lícito e desejável." Segundo o gerente, muitas vezes os dados são enviados às empresas de pesquisa sem custos, e estas, em troca, fornecem dados de seus levantamentos.

O gerente destaca ainda que mesmo que haja acesso aos dados dos médicos pela indústria, os profissionais são preparados para não ser influenciados. "Quando o dado é acessado (pela indústria) o que se busca são estudos de mercado, não o particular", disse. "Acho mito essa coisa de influenciar ou de que analisarão as informações cliente a cliente."A Drogasil e a Droga Raia, procuradas, não se manifestaram.



PULSO DO MERCADO

Também a Interfarma, que reúne os principais laboratórios multinacionais atuantes no Brasil, não nega que as empresas utilizam dados de receitas. Mas, segundo Gabriel Tannus, dirigente da entidade, eles são analisados de maneira compilada. "Isso existe no Brasil e no mundo. O nome do paciente não aparece nas pesquisas e defendemos que seja preservado."

De acordo com Tannus, o objetivo da coleta de número de CRM é saber se a estratégia de propaganda com a classe médica está dando certo. "Existe muita gente criando celeuma por isso. Nós apenas tomamos o pulso do mercado."


INFRAÇÃO ÉTICA

Os Conselhos de Medicina e Farmácia criticam a captação de dados das receitas médicas em farmácias. Segundo o conselho de farmácia, o farmacêutico responsável por estabelecimentos que fazem a captação de dados pode perder o registro profissional em razão de infração ética. "Essa prática é ilegal porque a receita é do paciente e o farmacêutico tem obrigação de manter o sigilo", afirma a presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, Raquel Cristina Grecchi.

O presidente do Conselho Federal de Medicina, Edson Oliveira Andrade, diz que a prática é reflexo da maneira como as farmácias são enquadradas na legislação. "O sistema não considera a farmácia como uma extensão dos serviços de saúde, mas como negócio."

O Conselho de Medicina de São Paulo já recebeu pelo menos duas reclamações de profissionais que foram procurados por representantes da indústria por terem diminuído prescrições. "Os médicos checaram, viram que era verdade, mas não sabiam como os representantes tiveram acesso aos dados", afirma Henrique Carlos Gonçalves, presidente do conselho. Os casos foram levados ao Ministério Público.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária informou que a diretoria do órgão, provocada pelo conselho de medicina, discute o assunto mas ainda não chegou a um consenso.



Fonte: O Estado de São Paulo

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