18/12/2014

CRM-PR encerra projeto de Educação Médica Continuada 2014 com simpósio sobre violência obstétrica

Evento reuniu 200 participantes na noite do dia 17

clique para ampliar>clique para ampliarDa esquerda para direta, Dra. Melania Amorim, Dr. Mauricio Ribas, presidente do CRM-PR, Dr. Sheldon Botogoski e Dr. Denis José Nascimento. (Foto: CRM-PR)

O último evento do projeto de Educação Médica Continuada de 2014 trouxe ao debate um tema polêmico e que vem sendo muito discutido não somente entre a classe médica, mas por toda a sociedade.

Profissionais das mais diversas áreas, entre médicos, enfermeiros, doulas, advogados e jornalistas interessados no assunto, acompanharam presencialmente, na sede do Conselho, e via web, a palestra da médica obstetra, pós-doutora em Tocoginecologia pela Unicamp e em Saúde Reprodutiva pela Organização Mundial de Saúde, Melania Amorim, que veio a Curitiba especialmente para o evento.

Em sua fala, a Dra. Melania abordou os mitos e verdades da violência obstétrica, focando em episiotomia, cesáreas realizadas sem indicação, os principais motivos dados à gestante como razão de impossibilidade de parto normal, muitos dos quais já não se justificam, entre outros. A palestrante também apresentou estudos que relacionam a quantidade de partos normais versus cesáreas e falou sobre o termo “violência obstétrica”.

Melania concorda que poderia se repensar o termo utilizado. “Mas é muito preciosismo nos preocuparmos com isso em um momento em que estamos discutindo violência, abuso, maus-tratos e desrespeito à mulher. Há quem confunde violência obstétrica com violência praticada pelo médico obstetra, mas na verdade ela é a violência contra a mulher em qualquer fase da gravidez ou puerpério e pode vir de qualquer pessoa, seja médico, enfermeiro, porteiro ou até mesmo do companheiro”, afirma.

Para a palestrante é preciso desmistificar o parto normal e esclarecer o leque de procedimentos desnecessários praticados todos os dias, pois já viraram rotina, estão inseridos na formação médica. “Eu demorei muito para aprender que existe uma Medicina baseada em evidências e que eu poderia pesquisar essas evidências. Fiz minha residência inteira com base nos ensinamentos dos professores e hoje estou desconstruindo algumas dessas lições”, explica.

No que diz respeito à episiotomia, Melania conta que há 12 anos deixou de fazê-la e apresenta dados mostrando o impacto disso, afirmando que o procedimento está caindo em desuso. “O questionamento atual é se de fato existe indicação de episiotomia, pois na ausência de benefício e com potencial de dano, um procedimento deve ser abandonado”, argumenta.

A segunda palestra da noite foi ministrada pelo médico obstetra, professor da UFPR, doutor em Tocoginecologia e diretor científico da Sogipa, Sheldon Botogoski. Ele afirmou que o profissional de saúde deve manter completa sintonia com os direitos assegurados à gestante para garantir uma gravidez saudável e um parto seguro. Ele destacou que a introdução da cesárea foi fundamental para a diminuição da morte perinatal (durante o parto) ou neonatal (logo após o nascimento) e também da mortalidade materna.

Outro fator essencial é a comunicação para se estabelecer uma boa relação médico-paciente. “É importante ressaltar a necessidade de falar, conversar e esclarecer à paciente sobre o parto normal e a cesárea”. Independente do tipo de parto que se sucederá, é indispensável o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No fim de sua fala, Dr. Sheldon lembrou que “os radicalismos e extremismos na medicina não são benéficos a ninguém, nem ao profissional da saúde nem ao binômio mãe-filho”. Todos os passos precisam ser pautados nos estudos científicos e nas evidências.

Encerrando o simpósio, a mesa de debates contou com a participação dos palestrantes e também do médico Denis José Nascimento, diretor da Sogipa e Prof. Dr. Adjunto do Departamento de Tocoginecologia da UFPR. O presidente do CRM-PR, Mauricio Marcondes Ribas, moderou o debate.

Em algumas de suas intervenções, Dr. Denis afirmou que alguns procedimentos começaram a ser banalizados, como se o obstetra fosse criminoso. “Mas a violência obstétrica não é isso. Nosso sistema de atendimento obstétrico está longe do ideal e precisa ser modificado, mas é necessário um esforço conjunto, de todos os lados, para que isso aconteça. O confronto não é o melhor caminho”, afirmou. O diálogo e o debate é a melhor forma de se chegar a um consenso sobre o tema e à resolução das dificuldades impostas pela carência do sistema.

O presidente do CRM-PR destacou a importância da realização desse debate. “A verdade é construída com amplas discussões. Crescemos democraticamente com esses eventos, onde várias opiniões podem ser ouvidas. E o papel do Conselho é unir ciência e ética, elas devem andar juntas”.  Dr. Mauricio lembrou que a situação apontada na obstetrícia é reflexo do caos na saúde como um todo. “É necessária uma mudança em todos os setores da saúde pública e privada para que a população tenha a assistência que merece”.

Melania parabenizou o CRM-PR pela iniciativa da discussão e reforçou que é necessário unir forças para combater o sistema, que está caótico. “Parabenizo a iniciativa impressiva de investimento do Conselho Regional de Medicina do Paraná em Educação Médica Continuada e a sensibilidade de tratar de um tema tão delicado”, afirmou.

A conselheira Keti Patsis, que comandou a Educação Médica Continuada em 2014, lembrou que o CRM recomenda que desde a primeira consulta o médico deve conscientizar a gestante de todo o processo da gravidez. É preciso firmar um consentimento livre e esclarecido desde o princípio. “A gestante precisa receber informações precisas do médico para se sentir segura e assim tomar as decisões mais adequadas para o bebê e para si mesma”, afirmou.

“As discussões no simpósio mostraram que é necessário reflexão e sensatez para se chegar a um bom termo ao lidar com as situações que envolvem o tema. O evento fechou com chave de ouro a Educação Médica Continuada deste ano, pois deu a oportunidade de mostrar a sociedade que os avanços da obstetrícia das últimas décadas, que ajudaram a salvar muitas vidas, não podem ser deixados de lado. É preciso aperfeiçoar métodos sem abandonar boas práticas, ponderando as novidades com embasamento científico”, concluiu Dra. Keti.

TIRE SUAS DÚVIDAS

Pode beber água antes do parto? Pode beber sim, durante o primeiro período do parto.

O que acontece quando a placenta está em grau III? Preciso fazer cesárea por isso? Grau de placenta significa grau de amadurecimento. Grau III significa que a placenta atingiu o nível máximo de amadurecimento. Não precisa fazer cesárea por isso, apenas quando há indicação apropriada.

Quanto tempo o bebê pode ficar na barriga com a placenta nesse nível? Se não houver nenhuma doença associada, pode-se aguardar o início espontâneo do trabalho de parto, não permitindo que a gestação ultrapasse 41 semanas, pois a partir daí poderão ocorrer agravos à saúde do bebê.

Quando é necessário romper a bolsa? A bolsa não precisa ser descolada. Em alguns casos de gestação pós-data*, pode ajudar no determinismo de atividade uterina, pela liberação de ocitocina com essa manobra, sendo um processo natural e consequência dessa manobra.

*Gestação pós-data ou prolongada: gestação com duração igual ou superior a 42 semanas completas ou com mais de 294 dias.

A episiotomia* é realmente necessária? Não sistematicamente. Há discussões recentes com relação à prática da episiotomia, muito tem se falado sobre as indicações e a prática do método está diminuindo. Mas ainda não há consenso no meio científico. Ainda se faz apenas em casos selecionados, porque se percebe que a cabeça irá determinar uma laceração importante no períneo materno, com possíveis complicações urinárias e intestinais. Essa situação é avaliada apenas no momento final do período expulsivo.

*Episiotomia é uma incisão na área muscular entre a vagina e o ânus para ampliar o canal de parto.

É verdade que a bexiga pode “sair para fora” no parto normal? Não.

É verdade que a pélvis pode ficar dilacerada? Não, lembro que pélvis é estrutura óssea.

Quando é necessária a infusão intravenosa para acelerar o trabalho de parto (ocitocina sintética)? Quando ocorrem alterações chamadas discinesias com hipocontratilidade uterina, ou seja, o trabalho de parto evoluindo bem até certo ponto e, subitamente, interrompe essa evolução adequada, devido a contrações mais fracas.

Quando é necessária a pressão sobre a barriga da parturiente para empurrar o bebê (manobra de Kristeller)? Nunca.

A lavagem intestinal é necessária? Em que situação? Não é necessária, apenas quando a gestante/parturiente solicita, pois está com o intestino obstipado há vários dias e prefere fazer o chamado fleet enema, limpeza retal, que não é aquela lavagem intestinal do século passado.

A retirada dos pelos pubianos (tricotomia) é necessária? Não é necessária.

Como deve ser o procedimento de toque para verificação da dilatação? De quanto em quanto tempo deve ser feito? O procedimento é importante para avaliar a evolução do processo de dilatação cervical, principalmente em fases mais tardias do trabalho de parto. A cada duas ou três horas na fase inicial e mais frequentemente no período expulsivo.

Durante o trabalho de parto a mulher pode se alimentar normalmente? Pode se alimentar de líquidos, alimentos leves e energéticos. Não pode comer uma feijoada! No período mais evoluído do trabalho de parto a própria parturiente não sente vontade de comer.

CONHEÇA ALGUMAS INDICAÇÕES REAIS DE CESÁREA

Prolapso de cordão com dilatação não completa: É uma emergência durante o trabalho de parto que impõe o nascimento imediato por cesariana. O cordão fica comprimido e o sangue para de fluir para o feto.

Descolamento prematuro da placenta com feto vivo, fora do período expulsivo: É outra emergência obstétrica que impõe o nascimento imediato do concepto, sob pena de o óbito fetal ocorrer em poucos minutos. O descolamento só poderá acontecer após o nascimento. Ocorrendo no período ante parto, irá privar o concepto de perfusão sanguínea e determinará anoxia com inexorável evolução para óbito. Se o feto estiver vivo o parto se impõe imediatamente por cesariana.

Placenta prévia parcial ou total (total ou centro-parcial): Placenta prévia centro ou total é indicação absoluta de cesariana, pois a placenta é prévia ao concepto e isto não permitirá o seu nascimento.

Apresentação córmica durante o trabalho de parto: É quando o bebê está atravessado, de forma transversal. A tentativa de versão é um procedimento de difícil execução durante o trabalho de parto, através de versão externa. É indicação absoluta de cesariana.

Ruptura de vasa praevia: É um evento hemorrágico dos mais graves, podendo levar o concepto ao óbito por anemia aguda em poucos segundos. Trata-se de uma má formação do cordão umbilical que expõe seus vasos antes de atingirem o corpo da placenta. Durante o trabalho de parto poderá ocorrer ruptura desses vasos, que são muito calibrosos e sangram intensamente. Absoluta indicação de cesariana.

Herpes genital ativo: Lesão sexualmente transmissível que contaminará o concepto pelo canal de parto se estiver ativa. Neste caso é absoluta indicação de cesariana.

Desproporção cefalopélvica: Desproporção cefalopélvica absoluta traduz que os diâmetros do feto são maiores que os diâmetros do canal de parto e a via vaginal se torna impossível ao nascimento. o diagnóstico só é possível intraparto e o partograma é um método importante no diagnóstico deste evento.

Sofrimento fetal agudo: Quando se faz o diagnóstico de sofrimento fetal agudo e as condições para o nascimento via vaginal não são adequados, prefere-se a via cesariana para salvar a vida do concepto. O termo mais correto atualmente é frequência cardíaca fetal não tranquilizadora*.

*São desacelerações da frequência cardíaca fetal que traduzem dificuldade de oxigenação do feto levando a risco potencial de óbito fetal intrauterino.


Parada de progressão que não resolve com as medidas habituais (correção da hipoatividade uterina, amniotomia), ultrapassando a linha de ação do partograma: 
Parada de progressão pode ser por vários mecanismos de anormalidade, seja por contrações ineficientes, seja por desproporção feto pélvica. Compete ao profissional saber identificar e tratar adequadamente cada uma dessas situações.


As situações abaixo são casos especiais, que devem ser analisados conforme as expectativas de cada gestante, após ampla explanação de prós e contras e após termo de consentimento livre e esclarecido.


Apresentação pélvica, ou seja, o bebê está “sentado”: Apresentação pélvica em primigesta (primeira gestação) é indicação absoluta de cesariana, em virtude do trabalho de parto ser potencialmente determinante de graves complicações, inclusive a cabeça derradeira com óbito do nascituro, uma vez que sai o seu corpo e a sua cabeça fica presa no canal de parto.  Deixar o parto evoluir trata-se de uma absurda irresponsabilidade, que poderá ser catastrófica.

A versão externa (manobra que serve para posicionar o bebê) poderá ser tentada, mas também não é isenta de complicações. Os serviços que a executam devem ter profissionais rigorosamente treinados e devem informar as gestantes de suas possíveis complicações, inclusive o descolamento prematuro da placenta com óbito fetal. É necessário ter um consentimento livre e esclarecido à exaustão, para que a gestante possa decidir com propriedade qualquer procedimento que será realizado nela.

Duas ou mais cesáreas anteriores: Tecnicamente existe o termo iteratividade, que traduz operações cesarianas repetidas. A literatura é unânime em se fazer cesariana em gestantes com operações cesarianas sucessivas pelo alto risco de ruptura uterina (rompimento lento e progressivo, total ou parcial, das paredes do útero) durante o trabalho de parto, determinando hemorragia incontrolável e possível óbito do binômio mãe e filho.

Eventuais riscos de infecção, hemorragia e histerectomia (cirurgia de retirada do útero) que a cesárea, neste caso, pode gerar, são muito bem resolvidos por uma equipe experiente. A literatura admite repetição de operação cesariana a partir de duas operações cesarianas sucessivas.

HIV/AIDS: Em todos os serviços obstétricos que assistem gestantes HIV positivas a cesariana é mandatória quando a carga viral materna é desconhecida ou acima de 1000 cópias, em virtude do alto risco de transmissão vertical, ou seja, contaminar o bebê com o vírus.

Essas condutas são mandatórias, independentemente de trabalho de parto e ou na presença de ruptura de membranas. Claro que nestas condições os riscos de transmissão vertical aumentam, mas ainda o parto abdominal é redutor desta transmissão quando comparado ao vaginal. Claro que se a parturiente chegar em fase adiantada do trabalho de parto e em período expulsivo, o parto estará na iminência de acontecer e, nessa situação, o parto vaginal ocorrerá.

Fonte: perguntas respondidas por Dr. Denis José Nascimento, membro da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do CRM-PR, Chefe do Serviço de Obstetrícia e Tocoginecologia do Hospital de Clínicas da UFPR, Prof. Adjunto do Departamento de Tocoginecologia da UFPR, doutor em Tocoginecologia, diretor da Sociedade Paranaense de Ginecologia e Obstetrícia (Sogipa).

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