MEDICINA - Só neste ano, três pessoas morreram em Curitiba durante procedimentos estéticos
O aumento na casa de 20% ao ano do número de cirurgias plásticas, muitas vezes executadas por profissionais não-habilitados
e em locais sem a estrutura adequada, levou o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) a estabelecer normas mais rígidas
para a realização destes procedimentos. Segundo médicos consultados pela Gazeta do Povo, ocorreram pelo menos três mortes
em Curitiba, neste ano, em decorrência de complicações em cirurgias plásticas. As famílias, resignadas, nem chegam a denunciar
os casos. Tanto que chegaram oficialmente ao CRM apenas um caso de morte e outro de seqüelas graves.
A comissão técnica convocada para discutir o assunto já definiu algumas regras e deve concluir os trabalhos no dia 10
de janeiro, quando uma resolução será publicada. Procedimentos que já deveriam ser empregados corriqueiramente, como a presença
de anestesista durante as cirurgias, passarão a ser exigidos e o desrespeito poderá ser punido até com prisão. "Para sedar
um paciente é preciso ter um profissional cuidando", diz a presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional
Paraná (SBCP-PR), Ana Zulmira Diniz Badin.
Uma cartilha será elaborada pelo CRM, especificando todos os equipamentos necessários para que as clínicas continuem realizando
operações. Segundo Ana Zulmira, é muito comum que empresas tirem alvará pedindo permissão para fazer pequenas correções e
depois façam cirurgias maiores. A partir da publicação da resolução, o Núcleo de Crimes contra a Saúde (Nucrisa) pode realizar
prisões e a Vigilância Sanitária pode fechar a clínica.
Aventura
O Paraná tem 196 cirurgiões plásticos registrados. O número deve chegar a 200 nos próximos dias, quando se formam os residentes
na especialidade. Mas, de acordo com a presidente da SBCP-PR, existe muito mais gente se aventurando nessa área. "São pessoas
não formadas, que acham que fazer lipo ou mama é fácil", conta.
Neste ano, somente o caso da secretária Daniele Gonçalves de Freitas, 25 anos, que morreu durante um implante de silicone,
veio à tona. O médico que realizava a operação não era habilitado. "Estão ocorrendo muitos problemas", reconhece o diretor
do Departamento de Fiscalização do Exercício Profissional do CRM, Luiz Ernesto Pujol. Os órgãos de saúde alertam para a popularização
dos procedimentos, até pelas facilidades de pagamento parcelado, o que acabou fazendo muitos profissionais descuidarem da
segurança.
A morte de uma médica no ano passado é prova, na opinião dos profissionais da área, de que nem mesmo quando todos os procedimentos
corretos são seguidos é possível garantir que não ocorrerá uma fatalidade. Ela era residente em cirurgia plástica, fez os
exames pré-operatórios e foi atendida em local apropriado por profissionais capacitados. Mesmo assim, morreu um dia após ter
se submetido a um implante de silicone. Teve um problema cardíaco, não detectado nos exames preliminares. Médicos consultados
pela reportagem avaliam que ela poderia ter morrido durante qualquer procedimento invasivo, como um tratamento dentário.
Outros casos não parecem fatalidades. Uma professora universitária, mãe de três filhos, sofreu danos neurológicos irreversíveis
durante uma cirurgia plástica no início do ano. Hoje tem dificuldades de andar e falar. O marido da professora é médico em
Curitiba e acionou o CRM, alegando que ocorreram falhas no procedimento. Numa outra situação, uma bioquímica que precisava
fazer uma cirurgia decidiu aproveitar e se submeter simultaneamente a uma lipoaspiração. Teve complicações e faleceu, em agosto.
Também em meados deste ano, uma mulher que era operada em uma clínica particular sofreu parada cardíaca e precisou ser transferida,
às pressas, para um hospital com condições de atendimento. Ela também morreu. As famílias consultadas pela Gazeta do Povo
preferiram não conceder entrevista.
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plástica.
MUDANÇAS - Consultório não é adequado para atos invasivos
O diretor do Departamento de Fiscalização do Exercício Profissional do CRM, Luiz Ernesto Pujol, antecipa que será descartado
o uso de consultórios para a realização de cirurgias plásticas. Ele afirma que existem evidências de abusos cometidos, como
clínicas consideradas inadequadas para a prática de atos invasivos que mudam com freqüência de endereço, para fugir da fiscalização.
O diretor também adianta que as clínicas terão obrigatoriamente de contar com o suporte de uma unidade hospitalar aparelhada
para situações emergenciais.
A falta de estrutura nas clínicas preocupa. Dois dos casos de morte até então não divulgados aconteceram num mesmo local
em Curitiba. Nenhum problema foi registrado em hospitais. Pujol acredita que será possível criar um serviço de certificação
da área de cirurgia plástica. Dados do Departamento Jurídico do CRM mostram que o número de sindicâncias devido a denúncias
relacionadas à cirurgia plástica mais do que dobrou neste ano. Até meados de novembro tinham sido 25 sindicâncias. Em 2005
, foram 11.
DEPOIMENTO - Pacientes falam dos sucessos e das frustrações
Andréia Luciane Fogaça Fontoura, 34 anos, exigiu do marido o pagamento de uma promessa: fazer plástica para tirar as marcas
da segunda gravidez - condição imposta antes da gestação. Em agosto do ano passado, ela entrou no centro cirúrgico para fazer
lipoescultura e abdome. "Achei que ia doer bem mais", conta a gerente comercial, que não se arrepende de nada. "Ficou show
de bola. Se tivesse de fazer de novo, faria", comenta. Andréia relata que estava com a auto-estima baixa e que nem pensava
em freqüentar praia e piscina, atividades de que tanto gostava. A recauchutagem custou R$ 8 mil.
Já para a estilista E.F., 28 anos, o resultado da cirurgia mamária não foi o que ela esperava. Há duas semanas ela retirou
as próteses de silicone que colocou no ano passado. Sentia-se gorda, desproporcional e ainda tinha queixas de dor nas costas
e nos seios. "Comecei a sentir que pesava", conta. Mas não foi isso que a fez temer o bisturi. Ela já havia feito lipoaspiração
e agora fez preenchimento de lábios. "Até completar 30 anos, acho que vou ter feito mais", comenta.
MEDICINA - Trâmite
Saiba como são encaminhadas as denúncias e as investigações aos conselhos regionais de medicina:
- Qualquer pessoa que se sentir lesada por um médico pode apresentar denúncia ao CRM. Para tanto, deve enviá-la por escrito
e assiná-la (o órgão não aceita denúncias anônimas). Mais informações pelo telefone (41) 3240-4000.
- Além dos pacientes, as denúncias chegam ao CRM por meio da Comissão de Ética Médica de cada hospital, do diretor clínico,
de delegados de polícia, juízes ou promotores. A partir delas, o conselho abre uma sindicância para ouvir as partes e apurar
responsabilidades.
- A entidade também pode abrir investigação por conta própria, a partir de casos veiculados nos meios de comunicação.
- Ouvidas as partes, o conselheiro responsável pela sindicância decide se é aberto ou não um processo ético-profissional
contra o denunciado. Nesse ponto se inicia o julgamento.
- O CRM julga a ética profissional. Nos casos de responsabilidade civil ou criminal, a denúncia é encaminhada ao Ministério
Público ou à polícia.
Fonte: Conselho Regional de Medicina do Paraná.
A matéria acima foi escrita pela jornalista Katia Brembatti, do jornal Gazeta do Povo e publicada no dia 30
de dezembro de 2006.