01/03/2007
Brasil é maior consumidor mundial de remédios que fazem emagrecer
Relatório de órgão internacional vinculado às Nações Unidas cita a morte de modelo brasileira por anorexia
A obsessão da brasileira pelo corpo perfeito pode ter levado o País ao topo do ranking internacional de uso per capita
de estimulantes, substâncias que são receitadas, principalmente, como inibidores de apetite e aceleram o sistema nervoso central.
De acordo com o relatório anual da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), que vai ser lançado hoje,
no Rio, o Brasil é campeão mundial no consumo de uma série de medicamentos da lista da Convenção Internacional sobre Psicotrópicos.
São 12,5 doses diárias por 1 mil habitantes, quase 40% mais do que o uso registrado nos Estados Unidos.
Ao alertar sobre o perigo dos inibidores de apetite, o relatório cita o caso da modelo brasileira Ana Carolina Reston,
de 21 anos, que morreu em novembro do ano passado em decorrência de anorexia (46 quilos e 1,72 metro). "Anorexígenos, que
supostamente são receitados e monitorados pelos médicos, também têm uso no tratamento da obesidade mórbida e até do Distúrbio
do Déficit de Atenção. Contudo, são usados indiscriminadamente para alimentar a obsessão pela magreza que afeta certas sociedades",
destacou Philip O. Emafo, presidente da junta, que é vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) e, de forma independente,
monitora a aplicação das convenções para o controle de drogas.
Os números elevados encontrados no Brasil, segundo o relatório, podem ser explicados pela produção doméstica, tanto que,
em 2005, 98,6% do fenproporex e 89,5% da anfepramona usadas no mundo, ambas como emagrecedores, foram fabricadas aqui, e a
maior parte, consumida dentro do País. As duas substâncias, que estão entre as quatro mais usadas no mundo, podem provocar
comportamentos agressivos, alucinações, depressão respiratória, convulsões e até morte, assim como todos os outros estimulantes
usados para inibir a sensação de fome.
A Junta observa países que têm aplicado medidas especiais e, com isso, reduzido o consumo, mas que o mesmo não tem ocorrido
no Brasil.
O aumento do consumo não se restringe aos inibidores de apetite, já que, segundo o relatório, o uso e o tráfico de medicamentos
com venda controlada, como estimulantes, sedativos e tranqüilizantes, ultrapassou, em algumas partes do mundo, o uso de drogas
ilícitas tradicionais, entre os quais heroína e cocaína. Segundo a Junta, o fenômeno é decorrência do uso abusivo, e se dá
porque medicamentos de venda controlada têm efeitos semelhantes aos causados pelas drogas ilícitas quando tomados de forma
inadequada e sem acompanhamento médico. Na última década, por exemplo, o número de americanos que tomam remédios com venda
controlada praticamente dobrou: passou de 7,8 milhões, em 1992, para 15,1 milhões, em 2003.
A Junta alerta também para o perigo causado por uma "enxurrada de medicamentos falsos", e apela para que os países membros
da ONU reforcem a legislação para evitar que eles sejam produzidos ilegalmente ou desviados para mercados onde não há regulamentação,
pois as conseqüências podem ser fatais. Quando isso ocorre, e a fiscalização é ineficiente, pessoas e estabelecimentos podem
vender medicamentos sem autorização ou, embora tenham permissão para a comercialização, acabam realizando a venda sem receita
médica.
"Os governos desses países não podem garantir a seguridade, a eficácia ou a qualidade dos medicamentos que circulam em
seus mercados", diz o relatório, em referência aos países onde a regulamentação é inexistente ou muito limitada, situação
que atinge 30% dos países, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O problema é particularmente grave em países em desenvolvimento,
como o Brasil, onde, estima a OMS, de 25% a 50% dos remédios consumidos são falsificados.
São produtos que, cada vez mais, encontram na internet um espaço particularmente propício, já que a receita não é exigida.
Para tentar reduzir o avanço de drogas ilícitas e o consumo abusivo de drogas lícitas, Emafo observa que a saída é ampliar
a troca de informações entre os países e investir mais para equipar e treinar o contingente de pessoas envolvidas na redução
dos danos causados pelas drogas. "No âmbito internacional, organizações que tenham mandatos para enfrentar o problema das
drogas devem trabalhar em conjunto. A era do isolacionismo terminou", conclui ele, lembrando ainda a importância dos programas
de tratamento e reabilitação dos viciados em drogas.
NÚMEROS
12,5 doses diárias por 1 mil habitantes é o consumo per capita de estimulantes no Brasil
98,6% do fenproporex, um tipo de moderador de apetite, usado no mundo, em 2005, foi produzido no Brasil
5,5% dos estudantes do último ano do ensino médio usavam, entre 2002 e 2005, analgésicos fortes como a oxidocona, uma
prevalência que aumentou 40%
25% a 50% dos remédios consumidos em países em desenvolvimento, como o Brasil, são falsos, segundo a Organização Mundial
de Saúde
14,1% é a prevalência do consumo de drogas entre os maiores de 15 anos no Canadá, no ano de 2004. Em 1989, a proporção
era de 6,5% 83,5% das detenções por causa de drogas estão associadas a meta-anfetamina, um derivado da anfetamina, que tornam
as pessoas mais acesas e elétricas
85% da maconha produzida no Paraguai são contrabandeadas para o Brasil, de acordo com a Secretaria Nacional Antidrogas
do Paraguai
Sempre com uma receita médica na mesa de cabeceira
K.C., de 28 anos, reconhece que é "supermagra". Mede 1,63 m e pesa 53 kg. Mesmo assim, pelo menos a cada dois meses toma
algum remédio para emagrecer. Na gaveta de sua mesa de cabeceira existe sempre uma receita médica. "Por causa de qualquer
quilinho a mais, vou logo atrás de alguma coisa para tomar", conta.
Tudo começou quando ela tinha 15 anos e tomou o primeiro remédio. Ela diz que, na época, era "gordinha" - pesava 68 kg.
O primeiro médico, obviamente, indicou uma dieta. O segundo também recomendou fechar a boca. Insatisfeita, K.C. foi atrás
de uma terceira opinião, justamente a que ela queria ouvir. "Ele receitou um remédio superforte, tão forte que precisava conter
calmante", lembra.
No primeiro mês, K.C. já ficou como queria: perdeu 10 kg. Mas, cada vez que exagerava na comida, voltava ao médico em
busca de uma nova receita. "Sei que é coisa da minha cabeça, mas o remédio me dá segurança", diz ela.
K.C. conta ainda que gosta de experimentar as "novidades" da farmácia. Como é enfermeira num hospital da Grande São Paulo,
consegue receitas médicas com facilidade. O último medicamento foi comprado há dois meses. Todas as drogas são tomadas sem
acompanhamento médico.
"Vejo meninas no hospital que morrem por causa dessas 'bombas'. Sinto medo. Por causa disso, agora procuro tomar remédios
mais leves. Mas, ficar sem nada, nem pensar."
Fonte: O Estado de São Paulo