19/08/2019
Especialistas expõem que sistema foi desorganizado com falta de incentivo do setor público e que levou ao fechamento de leitos e de hospitais
A extinção de leitos e hospitais causou um grande retrocesso na qualidade do atendimento de pacientes com transtorno mental e dependentes de álcool e drogas no Estado, segundo o diagnóstico feito por vários especialistas em audiência pública realizada pela Comissão de Saúde Pública da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) nesta segunda-feira (19).
A avaliação dos médicos indica que a desativação de hospitais e de serviços ambulatoriais, bem como a redução dos leitos disponíveis, preconizada num modelo que desencorajou a internação psiquiátrica, desorganizou as ações em saúde mental.
“É uma verdadeira loucura esta psiquiatria que fizeram aí”, afirmou o presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria, Prof. Osmar Ratzke, que atua há 50 anos no setor e, neste período, testemunhou a criação e a desativação de diferentes serviços públicos em saúde mental no Paraná.
“A psiquiatria é atendimento ambulatorial. Um bom ambulatório resolve 90% dos casos. Internação vira exceção”, disse Ratzke. Ele afirmou que a mudança de paradigma começou em 1992, com o desmonte de hospitais e a redução de leitos. A mudança, que ele atribui a “questões ideológicas”, levou à “liquidação dos ambulatórios”.
Foram então criados os CAPS (Centros de Atendimento Psico-Social) para substituir hospitais e ambulatórios, a partir da lei federal 10.216/2001, “mas eles não funcionam como a gente gostaria que fosse”. Segundo o psiquiatra, os CAPS são muito mais caros que os antigos ambulatórios, o que reduz a viabilidade financeira do sistema.
De acordo com ele, nos últimos anos foram desativados 2.413 leitos de saúde mental no Paraná. Restam 1.906 leitos para 11 milhões de habitantes, proporção bem inferior à recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O resultado, diz, foi o aumento do número de suicídios e da dependência química.
A “questão ideológica” a que se referiu Ratzke está associada às denúncias de especialistas de que os antigos hospitais psiquiátricos violavam os direitos dos pacientes, com maus tratos e procedimentos abusivos.
O Dr. Ricardo Sbalqueiro, médico do Hospital San Julian, de Piraquara, exibiu pesquisas internacionais correlacionando a redução do número de leitos – e de internações – com o aumento da população carcerária em vários países europeus e nos Estados Unidos. Nesse caso, reduzir os gastos com hospitais psiquiátricos também seria economicamente contraproducente, ao gerar aumento de despesas com presídios. No Brasil, a queda da oferta de leitos, afirmou Sbalqueiro, também está associada à elevação das taxas de suicídio. Nos países pesquisados (citou Itália, Alemanha, Inglaterra e Noruega), vem se ampliando o numero de presos com transtorno mental.
“É preciso estancar a sangria representada pelo fechamento de leitos”, disse por sua vez Charles London, diretor da Femipa (Federação das Associações das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Paraná). Também se manifestaram os médicos Sivan Mauer, integrante da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina do Paraná, e Paulo Fernando de Moraes Nicolau, diretor do Departamento de Psiquiatria da Fehospar (Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado do Paraná.
Vários dos participantes – incluindo o representante da Secretaria estadual da Saúde – mencionaram ainda que são insuficientes os recursos liberados pelo Ministério da Saúde.
Ao final da audiência, o deputado Arilson Chiorato (PT) disse ser essencial aprofundar o debate e enfatizou que os hospitais e representantes do setor podem contar com o apoio da Comissão de Saúde da Assembleia.
O deputado Michele Caputo (PSDB) lembrou que em seu período como secretário de Saúde (entre 2011 e 2018) o Ministério da Saúde determinou que o Estado só receberia recursos para implantar os CAPS se comprovasse a extinção de leitos psiquiátricos. Caputo defendeu a suplementação emergencial e o reajuste da tabela SUS para os leitos psiquiátricos, além da regularização de repasses para toda a rede hospitalar. O deputado propôs ainda a reativação, em caráter emergencial, do Grupo Técnico Saúde Mental/Psiquiatria de apoio à Comissão de Saúde da Assembleia.
O presidente da Comissão de Saúde, deputado Dr. Batista (PMN), anunciou ao final da audiência que o colegiado intensificará o debate sobre a saúde mental, buscando ainda a participação do Ministério da Saúde, do Ministério Público e representantes de todos os segmentos interessados.
Fonte: Alep-PR