20/01/2016
Paulo André Chenso
As portas de um hospital são inferno e paraíso ao mesmo tempo. Ali choram parentes por seus entes queridos que se foram. Ali também, parentes riem e choram de alegria, por seus entes queridos curados, que vão para casa. Ora lágrimas de dor, ora lágrimas de alegria. Angústias esmagadoras, esperanças desesperadas agarram-se às macas ensanguentadas que correm pelos corredores do pronto-socorro, numa última tentativa de tocar o ente querido acidentado. Mas as portas, frias e sem alma, se fecham atrás deles, deixando na sala de espera três ou quatro corações disparados, apertados, dilacerados... Mas cheios de fé, de esperança que os médicos farão "algo" para salvar vida tão preciosa...
Uma mãe entra no hall assustada, olhos esgazeados pela dor, as lágrimas escorrem pelo rosto pálido como um rio, as mãos trêmulas, o coração apertado, e pergunta para a primeira pessoa que vê:
"Meu filho, onde está meu filho?! O que aconteceu com ele?". Uma avalancha de perguntas angustiadas invade os ouvidos
da pobre escrevente que, percebendo a gravidade da situação, chama uma enfermeira. A visão daquele jaleco
branco reacende as esperanças no coração esfacelado daquela mãe. A enfermeira informa da gravidade
do acidente sofrido pelo rapaz, e que "os médicos estão fazendo tudo o que é possível, mas não
dá para adiantar nada agora. A senhora precisa esperar". A enfermeira se vai e as portas, sempre aquelas portas, se
fecham silenciosamente e, atrás delas, ficam todas as esperanças daquela mãe, os seus sonhos que sempre
foram apenas sonhos, mas que se realizariam na pessoa do filho amado... Agora se transformaram em um "doloroso talvez".
A
cada momento que o médico abre aquela porta e chama um familiar para conversar, vê-se um brilho no olhar, um
lampejo de esperança que se esvai, bruscamente, com a notícia indesejada:
"Sentimos muito, senhora, mas seu esposo faleceu". Não há pior momento na vida de um médico: admitir que a morte o venceu. Não importa quantos anos de prática tenha. A cada quadro grave reinicia-se a luta pela vida que muitas vezes, por circunstâncias do destino, se perde para sempre. Olhar naqueles olhos onde fulge um último lampejo de esperança, e dar tão amarga notícia é um momento extremamente difícil na vida do médico – é quando ele admite, formalmente, que perdeu a batalha, enterrando as últimas esperanças vividas na sala de espera. As frustrações da família fundem-se com as frustrações do médico, impotente diante da força do destino.
A outra face desse mesmo destino também se apresenta ali, nas mesmas portas que antes se fecharam cruelmente, separando os entes queridos da vítima que desapareceu pelos corredores, com todas aquelas pessoas correndo ao seu lado, dando ordens, falando rapidamente coisas incompreensíveis aos parentes, mas que eles sabem que, mesmo não entendendo o significado daquelas palavras e gestos, são eles a sua última esperança. Quando o médico, finalmente, abre a porta e chama o acompanhante, este pode ser, também, o melhor momento para ele – anunciar a vitória sobre a morte: "Senhora, o seu filho está salvo!". A largura do sorriso que se abre naquele rosto até há pouco empalidecido pela dor, o brilho num olhar que já não brilhava mais... O abraço repentino, espontâneo, inesperado... A sensação de felicidade que estes pequenos gestos transmitem não tem preço. É nesse momento que o médico e todo corpo de enfermagem se realizam: poder devolver a alegria e a esperança onde só havia tristeza e desespero.
Muitas vezes, não sabemos sequer o nome do paciente – a emergência é tão severa que detalhes burocráticos são ignorados. A luta insana começa e se prolonga, às vezes, por horas. Ali é o fim ou o recomeço de uma vida. Após os extenuantes minutos em que cinco ou seis profissionais atuaram intensamente, chega-se ao veredito: salvo, estabilizado... Ou morto. A sala de emergência não oferece muitas opções além dessas duas. Ao terminar o trabalho, o médico de plantão já sabe que, do outro lado daquelas portas, alguns corações palpitam acelerados, esperando sempre com um débil fio de esperança, que ele, o médico, poderá reforçar, ou simplesmente acabar de romper. Assim são as portas de um hospital: ao mesmo tempo, paraíso e inferno.
Paulo André Chenso é médico. Artigo publicado no jornal Folha de Londrina, em 20/01/2016.
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