05/06/2018
Da música às plásticas, médicos relatam seus hobbies e os benefícios ao exercício da atividade; um dos depoimentos é de Carlos Eduardo Zimmermann, feito poucas semanas antes de falecer e ao qual prestamos merecida homenagem
Pouco importa se é apenas um hobby, forma de aliviar o estresse ou mesmo uma carreira paralela, mas uma coisa é certa: a arte pode trazer inúmeros benefícios. É o que afirmam alguns médicos que se dedicam à prática de diferentes modalidades artísticas, como é o caso de Guilherme Cé Pagliari (CRM-PR 25.992), natural de Pato Branco, sudoeste paranaense.
Ele conta que era uma criança muito agitada e um dia,
por sugestão do pediatra, foi matriculado em uma escola de música para canalizar toda essa energia. A decisão fazia sentido:
desde pequeno adorava escutar a coleção de discos de seus pais ‑ e funcionou. Foi assim que aprendeu a tocar flauta,
a base para que, mais tarde, também aprendesse por conta própria o violão, guitarra e teclado.
De lá para cá, se formou em Medicina pela Universidade Luterana do Brasil, fez uma especialização em Radiologia e Diagnóstico por Imagem e hoje realiza atendimentos predominantemente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Meus pais não são médicos, mas desde que eu estava no ventre da minha mãe já diziam que a Medicina seria a minha vida”, conta. É verdade. Porém, mesmo que não seja protagonista, a música sempre se manteve presente no seu dia a dia.
“Durante a faculdade começou um interesse em compor, mas
nunca houve tempo para a profissionalização”, diz. Pouco depois de se formar, enquanto trabalhava com o Programa Saúde da
Família e plantões de sobreaviso, aproveitava todo momento livre que tinha para gravar suas músicas - registros que resultaram
no CD “Pelos Nossos Sonhos”, sob o nome artístico de Gui Pagliari.
Hoje, quando arranja tempo, Guilherme Pagliari produz, grava e faz a mixagem de suas composições sem sair de casa, e as coloca no seu perfil do Soundcloud e no site Palco MP3. Para ele, a música é ao mesmo tempo um hobby, terapia e oportunidade de crescimento pessoal. “A música foi e é essencial para o meu bem estar”, diz. “Acredito que minha relação médico-paciente hoje esteja por trás do que aprendi e desenvolvi com a música”.
Presépios e imagens de santo
A conselheira do CRM-PR Marília Cristina Milano Campos de Camargo (CRM-PR 6.204), que também é atriz de teatro e diretora
de produção formada pela Cena Hum, compartilha dessa visão. “A arte ensina a inexistência do preconceito e isso me ajudou
muito no meu contato com meus pacientes”, diz. “O teatro fez eu me aproximar mais das histórias deles, me fez mais humana”.
Natural da Capital paranaense, ela começou a se envolver com esse universo ao acompanhar a filha, então com seis anos, nas suas primeiras aulas de teatro. “Acabei indo para o palco um dia porque faltou uma atriz e como eu acompanhava todos os ensaios, me chamaram para participar da peça”, conta. Segundo ela, a diretora gostou tanto do resultado que a convidou para assumir o papel de fato. De lá para cá sua filha se formou em artes cênicas e a Dra. Marília participou de espetáculos como “Liquidificador: Pedaços da Vida”, peça da Cena Hum que ficou mais de um ano em cartaz e integrou a programação de duas edições do Festival de Teatro de Curitiba
Além do teatro, uma vocação artística que exercita desde a infância é a pintura de presépios e imagens de santos. Ela pinta imagens de todos os tipos e tamanhos, seguindo à risca a pesquisa iconográfica desses santos na tradição da Igreja Católica. Hoje, tem peças espalhadas, não só no Brasil, como mundo afora.
Essas experiências, aliadas à sua carreira na Medicina ‑ como médica e professora ‑ fez com que ela reafirmasse sua opinião sobre a importância do ensino da arte na formação médica. Para ela, as faculdades de Medicina fazem excelentes currículos técnicos mas “padecem de pobres currículos plenos”.
“A incorporação da arte seria maravilhosa para a implementação de um currículo pleno, que formasse profissionais mais sensíveis”, afirma. “Isso ajudaria a mudar o modo de ser desses profissionais, desenvolveria a paciência, eles teriam mais gosto pelas pessoas”.
Artes plásticas
Para o ginecologista e artista plástico Celso Setogutte
(CRM-PR 11.023), nascido em Umuarama, noroeste do Estado, a arte não precisa ser necessariamente incluída no currículo de
Medicina, mas deveria fazer parte da vida acadêmica por meio de ações de incentivo promovidas pelos diretórios acadêmicos,
por exemplo. “Acho que o fazer artístico de modo geral é importante, pois existe uma relação profunda com a cultura e com
o autoconhecimento”, diz.
Ele vem de uma família de médicos (incluindo o pai, Tuguio, e os irmãos Rejane e Roger), daí o interesse pela
profissão, mas sempre gostou de desenhar e pintar. Não demorou para que começasse a fazer telas e partisse para outras técnicas,
como a cerâmica ‑ que se tornou seu principal meio de expressão artística. Nos últimos 30 anos, chegou a participar
de mais de 40 eventos artísticos no Paraná e São Paulo, porém, hoje encara a arte mais como um hobby ao qual se dedica no
período noturno e nos finais de semana. No segundo semestre de 2008, ele participou da “Exposição Arte Nikkei”, que reuniu
pinturas, esculturas e fotografias de 15 renomados artistas da comunidade nipônica paranaense. A mostra ocorreu no Espaço
Cultural do CRM-PR e fez parte das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa.
Homenagem à memória
de Zimmermann
O antoninense Carlos
Eduardo Zimmermann (CRM-PR 5.583), por sua vez, seguiu o caminho inverso. Ele se formou em Medicina pela UFPR, em 1976. Mas
dois anos depois, quando conseguiu uma bolsa de estudos para fazer uma pós-graduação em desenho e pintura na Royal College,
em Londres, começou a se desligar da Medicina para entrar de cabeça na carreira artística ‑ à qual se dedicou até a
morte prematura, no último dia 4 de junho, aos 66 anos de idade.
Como nos contou em sua entrevista, concedida em 24 de abril, o primeiro contato com a pintura foi ainda na adolescência, quando começou a frequentar o Centro Juvenil de Artes Plásticas, criado por Guido Viaro (1897-1971) e no qual sua mãe dava aulas. Com 15 anos, chegou inclusive a ser convidado pelo próprio Guido para participar de seu ateliê livre na Faculdade de Belas Artes. Mesmo durante a graduação no curso médico não deixou a arte de lado: paralelamente aos estudos, chegou a participar de uma exposição itinerante com Tomie Ohtake (1913-2015), artista de origem japonesa e naturalizada brasileira e que se constituiu numa das principais representantes do abstracionismo informal.
Ao longo desses 40 anos, Carlos Eduado Zimmermann expôs
suas obras pelo Brasil inteiro, em vários países da Europa e nos Estados Unidos ‑ onde também estudou artes visuais,
em 1982. Nesta trajetória de intenso trabalho e reconhecimento ao seu talento, ganhou renome internacional. Como reafirmou
em sua derradeira entrevista, a arte e a Medicina possuem uma relação de troca. Para ele, o conhecimento de anatomia dos estudos
médicos pode ajudar artistas a entenderem e pintar melhor a figura humana. Assim como alguns recursos artísticos podem desenvolver
habilidades úteis para a Medicina, como a coordenação motora, autocontrole e paciência. Como entendia Zimmermann, a arte vai
além: “Ela oferece uma outra visão de mundo, ela cura”.
O artista foi o protagonista da exposição de abertura do Espaço Cultural do CRM-PR, no segundo semestre de 2004,
poucos meses depois da inauguração da própria Sede. Além de expor gratuitamente as suas obras por período de 40 dias, Carlos
Eduardo Zimmermann envolveu-se em vários outros projetos artísticos e culturais sob iniciativa do Conselho de Medicina, incluindo
uma exposição internacional em 2008 e inserções de reproduções de suas pinturas na revista Iátrico.
Ele também doou algumas obras que hoje fazem parte do acervo cultural do próprio CRM-PR, cujo corpo conselhal e a própria
classe lhe rende homenagem neste momento. A obra "O Despertar do Medo" (Instalação ), acrílica sobre tela, 150 x 150 cm, de
1998, é a que ilustra a capa desta notícia.