13/01/2015

Apesar do Mais Médicos, vagas de Medicina do Sisu atendem a grandes centros

Plano de interiorizar a medicina não se reflete nas vagas oferecidas pelas universidades federais

A distribuição de vagas dos cursos de Medicina oferecidas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) por todo o Brasil mostrou o quanto o país ainda tem de progredir em uma das metas principais do programa Mais Médicos: o avanço para o interior. O mapa com todas as oportunidades foi liberado ao público ontem no site oficial do Sisu.

Confira o mapa com a distribuição

Considerando-se todas as carreiras, a seleção vai oferecer 205.514 vagas em 5.631 cursos de 128 n faculdades, universidades e centros universitários. Em comparação com o ano passado, o aumento é de mais de 20%.

Já em Medicina, especificamente, o número saltou de 2.925, na primeira edição do Sisu do ano passado, para 3.758 este ano. Um avanço de 28%. No entanto, basta olhar o mapa do Brasil para perceber o peso desproporcional dos grandes centros e da faixa litorânea no total ofertado.

A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é a campeã individual de vagas: 180. A maioria é concentrada nas duas grandes universidades federais que oferecem o curso no estado: UFRJ e Unirio. A desproporção é flagrante. A cidade do Rio, com menos de seis milhões de habitantes, tem quase o total de vagas de que dispõem os mais de 17 milhões da Região Norte do país, onde há apenas 197 vagas de Medicina em federais.

O Nordeste é, isoladamente, a região com o maior volume de oportunidades no curso: 1.676. Depois vem o Sudeste, com 904. À primeira vista, * podería representar uma descentralização. Mas o dado esconde a maior participação das federais no total de vagas nordestinas, enquanto no Sudeste as poderosas USP, Unicamp e Unesp, todas estaduais - e, portanto, com vestibulares próprios -, estão fora do Sisu.

Em São Paulo, estado mais rico do país, são oferecidas apenas 40 vagas, concentradas na Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Já no Espírito Santo, a única instituição que participa da seleção unificada ainda não oferece vagas em Medicina.

Em SC, RO e ES, nenhuma vaga no curso

Os estudantes capixabas, rondonienses e catarinenses que optarem por Medicina terão de pensar em morar longe de casa, já que os três estados são os únicos que ainda não dispõem de vagas no curso pelo Sisu. Na outra ponta, Minas lidera entre as unidades da federação, com 564 oportunidades nos cursos das suas federais. A expansão de cursos de Medicina pelo interior do Brasil é uma das metas do programa Mais Médicos, que prevê a abertura de 12.400 vagas até 2018. Em diversos momentos, a própria presidente Dilma Rousseff exaltou a iniciativa por tentar fixar o médico recém-graduado na localidade em que ele se formou, criando laços com a comunidade.

Mas especialistas destacam alguns pontos em que o programa falha. De acordo com a médica Ligia Bahia, do Laboratório de Economia da Saúde da UFRJ, a oferta de vagas de Medicina no Brasil reflete a necessidade de atender às principais concentrações populacionais do país, o que seria louvável. Mas, na opinião dela, a missão de interiorização do Mais Médicos é feita principalmente por faculdades privadas, o que nem sempre é proveitoso para a população local.

- O ensino de Medicina também envolve pesquisa, e toda essa formação científica existe em universidades, o que dificilmente vai se encontrar em faculdades isoladas. O que priorizaremos? Formar médicos sem bases científicas para, simplesmente, aumentar o número de profissionais? Ou vamos continuar investindo nas universidades, com ensino de qualidade? - provoca.

Pouca participação das públicas

Somando-se faculdades públicas e privadas, o Brasil tem 21.674 vagas autorizadas para cursos de Medicina. Diferentemente do que ocorre quando se analisam apenas as federais, ao se somarem as privadas o quadro se altera, e o interior lidera ligeiramente, com 11.269 vagas, contra 10.045 das capitais. Ligia Bahia ressalta outras soluções viáveis, como a construção de hospitais universitários ou campus avançados de instituições conceituadas no interior.

- O que me preocupa é a pouca participação das universidades públicas no programa do governo federal. Elas poderiam estimular a ida de profissionais ao interior, construir campus. Mas o que vemos é o avanço das faculdades privadas, que nem sempre primam pela qualidade - afirma Ligia.

No último dia 29 de dezembro, o MEC abriu o primeiro edital nos moldes do Mais Médicos para que instituições possam oferecer cursos de Medicina em 39 municípios do país de até 70 mil habitantes, acrescentando mais 2.460 vagas. Delas, 14 são do Estado de São Paulo, nenhuma está numa capital.

O Conselho Federal de Medicina também critica o que vem sendo feito. Segundo o vice-presidente da entidade, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, o Sisu não sinaliza a interiorização proposta porque foram abertos poucos novos cursos, priorizando-se a ampliação de vagas em universidades já existentes. Para ele, o fato de a expansão para o interior ficar a cargo de instituições privadas não é necessariamente uma boa notícia.

- Estão abrindo unidades em locais que claramente não têm condições de receber cursos de Medicina, por não haver a infraestrutura adequada. Falta, por exemplo, um corpo docente qualificado, bem como um hospital-escola devidamente paramentado - avalia.

Além disso, segundo ele, a visão de abrir graduações no interior para levar médicos a essas regiões é, por si só, equivocada.

- O que fixa esses profissionais nessas áreas são as condições de trabalho, em primeiro lugar, acompanhadas pelas condições sociais e a remuneração. A residência médica também é importante. O estudante termina a faculdade e faz provas para a residência em vários locais. Para onde passar, ele vai conclui. (Colaborou Eduardo Vanini)

"As universidades públicas poderiam estimular a ida de profissionais ao interior, construir campus. Mas o que vemos é o avanço das faculdades privadas, que nem sempre primam pela qualidade." - Ligia Bahia (Laboratório de Economia da Saúde da UFRJ)

Fonte: O Globo

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