27/07/2007
Anvisa permitirá medir a pressão na farmácia e resolução recebe críticas
Texto que ainda está em consulta pública divide diretoria da agência; para especialistas, atividade é ato médico
A Sociedade Brasileira de Cardiologia reagiu indignada a uma proposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
que permite farmacêuticos medir a pressão arterial de seus clientes. A prática - atualmente proibida por lei - integra uma
resolução da Anvisa, em fase de consulta pública, que regula o funcionamento de farmácias e drogarias.
A resolução traz exigências para impedir uma série de abusos, como a venda de carvão ou ração animal no mesmo local onde
são oferecidos remédios. Mas, ao mesmo tempo, permite que farmacêuticos se responsabilizem por alguns procedimentos, incluindo
a medição da pressão arterial. Algo que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, é atribuição exclusiva de médicos.
A Anvisa deve permitir, também, que farmacêuticos possam fazer testes rápidos de glicose, pequenos curativos, inalação
e medir temperatura dos clientes. A mudança prevista segue a filosofia de que farmácia deve ser local de promoção à saúde,
não apenas ponto de venda de medicamentos. Uma tese defendida pelo Conselho Federal de Farmacêuticos e pelo Ministério da
Saúde.
Mas, dentro da própria Anvisa, há quem considere que tais serviços não combinam com farmácia. O texto da resolução não
foi aprovado por dois de seus quatro diretores. Seu formato foi mantido porque o diretor presidente da agência, Dirceu Raposo
de Mello, tem poder de desempate.
Empurroterapia
O diretor Cláudio Maierovitch é contrário às novas atribuições para o farmacêutico. Por princípio, diz, o diagnóstico
não pode ser feito no mesmo local onde o remédio é vendido. Para ele, o maior problema é a medição da pressão arterial. "Uma
única medição não é suficiente para dizer se a pessoa é ou não hipertensa. "Se o cliente ouve do farmacêutico que sua pressão
é alta, há risco de ele se declarar hipertenso e tomar remédios sem necessidade." Uma brecha, completa, para a prática da
"empurroterapia", estratégia usada por maus profissionais para incentivar a compra de medicamentos que lhes rendam gratificações.
O diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Washington Barbosa Araújo, tem opinião semelhante. Araújo afirma que
a sociedade já prepara reação contrária à proposta, mas somente sobre pressão arterial. Os demais procedimentos poderiam ser
realizados na farmácia, porque não são considerados ato médico. "A medição na farmácia é meio passo para uma prescrição indevida
ou a mudança de comportamento do paciente", diz.
Para o diretor substituto do departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, José Miguel do Nascimento
Júnior, a medição da pressão arterial pode ser útil à população. "A resolução exige que o serviço na farmácia seja de qualidade",
observa. A proximidade das farmácias, afirma, pode ser de grande ajuda a públicos específicos. Como idosos. "Eles mediriam
a pressão nas farmácias e saberiam se remédios em uso estão adequados. Facilitaria o controle."
Idéia é orientar cliente, diz Conselho de Farmácia
Para chefe da unidade de Hipertensão do HC-USP, checagem regular da pressão arterial pode reduzir ansiedade de pacientes
diante do médico
A permissão para que farmacêuticos verifiquem a pressão arterial dos clientes tem apoio de alguns especialistas. O chefe
da unidade de Hipertensão do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), Décio Mion, considera que a medição
da pressão arterial em farmácias pode ajudar os médicos. "Desde que o aparelho esteja validado, o profissional treinado, não
vejo nenhum impedimento." Além de o paciente poder fazer medições com maior freqüência, é possível evitar a "hipertensão do
avental branco" - a ansiedade diante do médico pode fazer com que os níveis de pressão aumentem temporariamente.
Para medir a pressão arterial, uma série de quesitos são necessários. Até mesmo a localização do aparelho pode implicar
em um resultado incorreto. "Se o farmacêutico tiver todo treinamento adequado, perfeito", afirma Mion.
O presidente do Conselho Federal de Farmácia, Jaldo de Souza Santos, acredita que a medida, caso seja mantida depois da
consulta pública, poderá trazer um impacto positivo para a saúde pública. "Além de monitorar a pressão de clientes, podemos
dar conselhos básicos, alertar para o risco de familiares desenvolverem o mesmo problema", diz. "Ninguém aqui quer medicar.
Queremos apenas orientar." Souza Santos também rebate o argumento de que a medição de pressão arterial é ato exclusivo de
médicos. "Se é assim, por que em hospitais tal prática fica sob responsabilidade de enfermeiros?"
Para Mion, a idéia de que a medição poderia abrir espaço para a prescrição indevida de medicamentos não justificaria a
mudança do texto da resolução. "Temos de pensar que as pessoas vão agir corretamente. Para isso que há os serviços de vigilância,
para fiscalizar e punir aqueles que não seguem a lei."
A Consulta Pública 69 foi aberta no dia 13. As pessoas interessadas poderão fazer críticas ou sugestões em um prazo de
60 dias. O texto está disponível no site da Anvisa.
Com a resolução
Venda proibida: sucos, refrigerantes, pães, biscoitos e balas, chicletes, laticínios, mel, café, artigos de uso pessoal,
como cartões telefônicos, produtos saneantes, como odorizantes de ambiente, artigos de uso doméstico, como panos, produtos
veterinários, como acessórios para animais de estimação.
O que ficará permitido: adoçantes; alimentos para dietas com restrição de sacarose, sódio, gorduras ou proteínas; suplementos
de vitaminas ou minerais; vitaminas isoladas ou associadas; cosméticos; medicamentos; perfumes; produtos médicos e de higiene
pessoal.
Frases
José Miguel do Nascimento Júnior, diretor de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde: "Um idoso com hipertensão
diagnosticada, não precisaria ir até um ambulatório. Na farmácia qualificada, teria a informação e repassaria ao médico."
Cláudio Maierovitch, diretor e presidente em exercício da Anvisa: "O local do diagnóstico não pode ser o mesmo da medicação.
Isso eleva o risco da 'empurroterapia'"
Fonte: O Estado de S.Paulo, 27/07/2007