11/05/2007
Anvisa mantém votação que limita anúncio de bebida
Entidades ligadas a publicidade dizem que agência não deve regular área; governo pode propor projeto de lei
Apesar da crescente pressão de fabricantes de cervejas e da certeza de que a medida será questionada na Justiça, a diretoria
colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai votar, nos próximos dias, a resolução com novas regras
para a propaganda de bebidas alcoólicas. 'A Anvisa entende que tem todas as condições legais para tratar dessa questão', afirmou
ontem ao Estado o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
A resolução propõe restringir o horário da veiculação de comerciais de bebidas alcoólicas, incluindo cerveja, e o acompanhamento
do conteúdo. Hoje, a restrição é aplicada apenas para produtos de maior teor alcoólico, como conhaque e uísque. Em comunicado
publicado ontem em jornais de grande circulação do País, 11 entidades, entre elas o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação
Publicitária (Conar), a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ), sustentam que
a Anvisa não tem atribuições legais para legislar sobre publicidade.
Na nota, o grupo cita dois artigos da Constituição para demonstrar que somente lei federal poderia tratar do assunto.
O questionamento sobre a legitimidade de a Anvisa fixar normas nesse campo não vem de hoje, e já foi exaustivamente discutido
por integrantes do governo. A equipe prefere, porém, arriscar a ter o assunto questionado na Justiça a ficar mais tempo com
a questão parada na gaveta. A discussão jurídica, mesmo que haja uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), avaliam
as entidades, poderia ser usada para atrair a atenção - e a simpatia - da população. Caso a resolução seja considerada inconstitucional,
o governo então encaminharia projeto de lei ao Congresso reapresentando as mesmas restrições.
O ministro, ontem pela manhã, não escondeu essa possibilidade. 'Vamos sentar depois com o diretor da Anvisa para discutir
detalhes operacionais. O que importa é que será dado um passo importante, ou seja, estabelecer limites no horário e regulamentar
um pouco o conteúdo publicitário', afirmou.
Temporão iniciou, há duas semanas, conversas com líderes no Congresso para tratar de uma eventual proposta de lei sobre
o assunto. Ele sabe que será preciso driblar a resistência de vários setores, sobretudo o ligado à produção de bebidas, mas
acredita que o debate será, em última instância, favorável à restrição da propaganda.
Ontem, o ministro disse que a resolução poderia ser votada hoje. Mas assessores da Anvisa garantem que não haverá reunião
do colegiado, pois um dos diretores está doente.
De qualquer forma, a estratégia está montada.
Primeiro será divulgada a Política Nacional de Álcool e Drogas, em forma de um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Dentro da política há uma série de medidas, entre elas a resolução que trata da propaganda.
'Publicada a política, imediatamente a Anvisa coloca sua resolução na rua', afirmou Temporão.
Plano contempla medidas especiais e novas pesquisas
O texto do decreto da Política Nacional de Álcool, que está sendo finalizado pelo governo, traça uma série de estratégias
para prevenir o consumo de bebidas alcoólicas. Entre elas, medidas específicas para povos indígenas e pessoas que vivem nos
assentamentos de reforma agrária. Há também recomendações para ampliação da oferta de tratamento no Sistema Único de Saúde.
O texto prevê ainda a realização de uma pesquisa de comportamento para ver reflexos do consumo de álcool em acidentes de trânsito.
Além disso, indica a possibilidade de que outros ministérios adotem medidas como a proibição da venda de bebidas alcoólicas
ao longo de rodovias federais e a criação de mecanismos para incentivar cidades a impedir a venda de bebidas próximo a escolas.
Ministérios que integraram o grupo de trabalho para a criação da política ficarão encarregados, assim que o decreto for assinado,
de colocar as diretrizes em prática. O lançamento da Política Nacional sobre o Álcool é esperado desde 2003, quando o grupo
interministerial apresentou um esboço da estratégia.
'Medidas devem punir e ensinar'
Entrevista com José Gomes Temporão: ministro da Saúde
Sugestão seria incluir entre as medidas restritivas a punição mais severa para motorista embriagado.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, considera o preço cobrado por bebidas alcoólicas extremamente baixo no País.
No calor da polêmica sobre a criação de novas regras para propaganda de bebidas, ele afirma, porém, considerar prematuro qualquer
tipo de discussão sobre aumento de preços no País. 'Não é um tema simples porque envolve política tributária', afirmou. 'Nesta
área, tem de ter política gradual. O importante é que a sociedade tenha clareza por que o governo está adotando algumas medidas',
afirmou. Ao Estado, ele admitiu, porém, que uma política de álcool deve incluir medidas restritivas. Ele defende, por exemplo,
o uso de bafômetros e a ampliação da punição para motoristas embriagados. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Antes mesmo de ser anunciada, alguns setores afirmam que a Política Nacional de Álcool será pouco eficiente porque traz
só medidas educativas.
As medidas restritivas sugeridas na Política Nacional de Álcool não são auto-aplicáveis. Entre as propostas, há ações
que são de competência do Congresso Nacional, como a restrição da venda de bebidas ao longo das rodovias federais. Mas existem
também medidas que precisam ser adotadas por governos locais, como a regulação da comercialização de bebidas em locais próximos
de hospitais, que é de competência das prefeituras. Outros tipos de políticas de preço também caberiam ao Congresso.
O senhor é favorável ao aumento do preço da bebida?
Acho que no Brasil o preço é muito barato. Isso varia de país para país. Não é um tema simples, porque envolve política
tributária, questões econômicas relacionadas à indústria. Temos de ter estratégia progressiva, informando a sociedade. A população
tem de ter clareza por que o governo está tomando esta medida, o que está por trás desta lógica.
Por que é preciso tal cuidado?
Toda política de combate ao alcoolismo é uma política de redução de dano. Que tem de dar conta de regulação, educação,
informação, restrição. Em todo o mundo é assim. Vamos ver que caminho o Brasil vai escolher.
Quais medidas restritivas podem ser colocadas rapidamente em prática?
Acho que políticas de limitação de horário e local de venda, de punição mais severa para motoristas que dirigem embriagados,
estabelecimento de penas comunitárias para motoristas infratores. Tudo isso tem fundo de punição, mas também pedagógico. As
medidas devem, ao mesmo tempo, punir e ensinar. O motorista precisa ter clareza da gravidade do ato que cometeu. E deve pagar
com uma atividade comunitária que tenha forte ligação com a política de prevenção.
O senhor é favorável ao uso do bafômetro?
Acho fundamental. No mundo inteiro isso é usado intensivamente e tem impacto positivo. Assim como a punição de quem vende
bebida para menores de 18 anos. Tudo isso é muito grave e são temas que estamos trabalhando nesta política.
Fonte: O Estado de S.Paulo
Governo pode levar ao Congresso veto a bebida
Se Anvisa não puder restringir propaganda, Temporão vê opção no Legislativo. Associação condena proibição a artistas
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, voltou a defender ontem o controle da propaganda de bebidas alcoólicas no país
e disse estar disposto a brigar para ver a regulamentação, alvo de polêmica, implementada. Em reunião no Conselho Nacional
de Saúde (CNS), o ministro afirmou que, se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) for impedida de adotar a medida,
o governo tentará aprovar a restrição no Congresso Nacional.
As fabricantes de bebidas, agências de publicidade e os artistas que fazem campanhas de cerveja não comentaram o assunto,
mas representantes de entidades da propaganda e do setor de bebidas discordam do ministro.
Temporão reagiu ao anúncio publicado em grandes jornais, em que 11 entidades de empresas de comunicação, anunciantes e
agências de publicidade dizem que a Anvisa não é competente para legislar sobre propaganda de bebidas, medicamentos, tabaco
e agrotóxicos.
O ministro disse que vai comprar a briga: - Hoje (ontem) tem um grande anúncio da indústria.
Não tem problema. Vamos para essa briga. Agora, é importante que a sociedade se manifeste.
Não me parece sustentável, do ponto de vista ético e moral, manter o atual quadro da propaganda de bebida na TV e no rádio.
Nós vamos regular.
O ministro afirmou que a Anvisa tem a responsabilidade constitucional de regular propaganda e que fez consulta pública
durante seis meses. Mas, se houver impedimento, admite que o tema vá para a Câmara.
- Se houver polêmica, conflito, acho que o espaço mais adequado para dirimir não é o Judiciário, mas o Legislativo.
Para indústria, proibição não resolve problemas Para o presidente da Associação Brasileira de Propaganda (ABP), Adilson
Xavier, é incorreto pensar que todos os problemas estão na propaganda. As propostas, disse, são ingênuas: - É preciso, sim,
fiscalizar para que menores não bebam e para que não se beba em demasia.
Mas proibir a participação do artista em propaganda fere duas as liberdades: a do anunciante e do artista.
Já o superintendente do Sindicato da Indústria de Cerveja (Sindicerv), Marcos Mesquita, diz que não há intenção em confrontar
a autoridade: - O investimento em publicidade tem o objetivo de tornar a marca preferida entre tantas, mas não influencia
no incremento das vendas. E se há problema com o consumo excessivo e ilegal, não será a retirada da propaganda que vai mudar
isso.
Em audiência pública anteontem no Senado, Temporão defendeu a proibição: - Se não pode controlar propaganda de bebida,
para que serve o governo? O Zeca Pagodinho é uma coisa dramática quando faz uma propaganda de cerveja. Gosto dele, mas tinha
que parar. É patético, constrangedor.
Fonte: O Globo