Para a agência, país vive epidemia de infecção por micobactéria; médicos sugerem adiar intervenção que não seja urgente.
Desde 2003, foram registrados 2.102 casos em 14 Estados; doença afeta cicatrização de feridas e causa perda de tecidos.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) disse ontem que o país vive uma "emergência epidemiológica" causada
por uma bactéria presente em equipamentos de cirurgia -chamada micobactéria. Há ao menos duas hipóteses para explicar os surtos
dessas infecções: sujeira dos aparelhos e resistência da bactéria aos produtos de esterilização.
Nos últimos cinco anos, a micobactéria, uma "prima" da tuberculose, fez 2.102 vítimas em 14 Estados brasileiros, a maioria
em hospitais privados. Em São Paulo, foram notificados 43 casos -os últimos em 2004. Neste ano, houve 76 novas ocorrências
no Distrito Federal, em Goiás e no Rio Grande do Sul. Duas mortes estão sob investigação no Paraná.
Em razão dessas infecções, que causam perdas de tecidos, nódulos e feridas que não cicatrizam, o governo do Espírito Santo
decidiu na última terça suspender as lipoaspirações.
Os infectologistas classificam a situação como "grave" e orientam que as pessoas adiem cirurgias eletivas (que podem esperar),
como lipoaspiração e implantes de silicone, até que a situação esteja sob controle.
"A nota da Anvisa é positiva porque alerta as pessoas que vão fazer uma cirurgia que não tenha emergência e que possa
ser postergada para que aguardem um tempo até a normalização da situação", diz a infectologista do hospital Sírio Libanês
Beatriz Souza Dias.
O infectologista David Uip também avalia que as pessoas devam adiar cirurgias que não tenham urgência. Ele reforça que
os órgãos de vigilância precisam explicar as razões que levaram o país a registrar esse alto número de infecções que, na sua
avaliação, seriam evitáveis se houvesse um mecanismo de controle eficaz. "Esse é um processo complicado, que envolve perdas
e é prolongado."
Segundo a Anvisa, as infecções estão "fortemente relacionadas às falhas nos processos de limpeza, desinfecção e esterilização
de produtos médicos".
Na maioria dos serviços de saúde investigados pela agência, os instrumentos cirúrgicos foram submetidos somente ao processo
de desinfecção, e não à esterilização, como é preconizado na legislação para a eliminação da bactéria.
Ontem, a Anvisa sugeriu, como medida cautelar, que os hospitais deixem de usar um dos produtos mais empregados na esterilização
de equipamentos, o Glutaraldeído a 2%.
Resultados preliminares de um estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) mostraram que uma das cepas da bactéria
-M. massiliense- envolvida nos surtos apresentou resistência ao produto mesmo após dez horas de exposição. O produto foi eficaz
para combater outras duas cepas.
A orientação da Anvisa é que a esterilização seja feita com outros produtos. Para a agência, as infecções pela micobactéria
são uma "doença emergente", que "não tem registro aqui e nem em outros países".
Outra medida estudada pela Anvisa é limitar o número de videocirurgias (que usam cânulas e câmeras que adentram o corpo
do paciente por meio de buracos na pele) feitas por dia em hospitais e clínicas. A medida seria para garantir que haja tempo
suficiente para que os equipamentos cirúrgicos sejam adequadamente esterilizados.
VÍTIMAS TÊM DE FAZER NOVAS CIRURGIAS PARA CORRIGIR CICATRIZES
Fonte: Folha de São Paulo