11/11/2007
Ala de não-fumante é tão poluída quanto a de fumante
Você escolhe a área de não fumantes. Mesmo assim, respira vez ou outra a fumaça de cigarro enquanto come e bebe. Quando sai
do restaurante, percebe que a roupa, a pele e o cabelo estão levemente (ou, dependendo do caso, absurdamente) "defumados".
Essa é uma situação comum para quem costuma jantar fora. A divisão entre fumantes e não-fumantes na maioria dos lugares
é inócua. Levantamento feito pela Folha em dez estabelecimentos da capital paulista mostra que, em geral, a poluição é elevada
nos dois setores e a concentração de poluente não é muito mais baixa onde não se fuma. A medição foi realizada com um equipamento
portátil do LPAE (Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental), da Faculdade de Medicina da USP.
O aparelho mede material particulado fino -mistura de fumaça e poeira. Em exposições de curta duração ao poluente, caso
da visita a um restaurante, os efeitos podem ser cansaço, tosse seca, irritação nos olhos e nariz.
O restaurante Ritz, em Cerqueira César (zona oeste), teve pico de 170 microgramas por m3 de material particulado fino
na área dos que gostam de cigarro -várias pessoas fumavam no local, que é pequeno. Na área de não-fumantes, o valor chegou
a 89. No bar mexicano El Kabong, em Pinheiros, a diferença foi de 79 (fumantes) para 48 (não-fumantes).
Em restaurantes como Almanara, América e Spot, a diferença na concentração de poluição foi mínima ao comparar as áreas
de fumante e não-fumante -em microgramas por m3 de material particulado fino, 70x65; 78x70 e 80x76, respectivamente. A média
recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é 10 microgramas por m3, e a que temos na capital hoje é 30.
Tanto no Ritz quanto no El Kabong, os não-fumantes ficam no piso superior. "Nesse caso, a fumaça do andar inferior sobe
e atinge os não-fumantes", diz Paulo Afonso de André, engenheiro do LPAE. Por mais estranho que possa parecer, no Mestiço,
o setor de não-fumantes -principalmente o fundo do salão- estava mais poluído. Isso ocorre porque a área tem menor circulação
e renovação de ar.
Para o médico Paulo Saldiva, do LPAE, "como o ar não tem fronteiras", é esperado que não haja grande diferença na concentração
da poluição nos dois setores dos estabelecimentos.
Luizemir Lago, coordenadora estadual do programa de controle de tabagismo da Secretaria da Saúde, concorda. "Não funciona
permitir que num lado do salão se fume e no outro não. A fumaça não fica restrita a um lugar." Essa situação é exatamente
a que se vê no restaurante Spot. Nas mesas localizadas no lado direito de quem entra no estabelecimento não se pode fumar.
Já no lado direito, ocorre o oposto.
Pneumologista defende "fumo zero" em restaurantes
Professor da Unifesp afirma que não é possível diferenciar efeitos nocivos na saúde entre fumantes passivos e ativos.
Para Clystenes Soares Silva, professor de pneumologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), só há uma solução para
acabar com o incômodo e os danos à saúde aos não-fumantes: banir o cigarro dos locais públicos fechados, como em países da
Europa.
No Brasil, existe uma lei federal que proíbe o fumo "em recinto coletivo, privado ou público", mas é rotineiramente desrespeitada.
A lei 9.294/96 só permite o tabaco "em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente".
Silva, que defende o "fumo zero" em bares e restaurantes, ressalta que "fumante é fumante, seja passivo ou ativo".
Isso significa que o fumante ativo pode sofrer as conseqüências do vício de forma mais intensa, mas o fumante passivo
não está ileso. "É patético estar num local de não-fumantes e, na mesa ao lado, haver fumantes. É algo ilusório", diz.
De acordo com ele, o Brasil possui entre 22% e 23% de fumantes. "A maioria não fuma. Não pode uma minoria atrapalhar tantas
pessoas", afirma.
Oliver Nascimento, pneumologista da Unifesp, reforça que o tabagismo passivo traz inúmeras conseqüências negativas para
a saúde. "As pessoas têm mais chance de ter tosse. Quem sofre de asma ou bronquite pode ter crise, ficar com dor no peito,
chiado e falta de ar. Já quem possui rinite alérgica pode ficar com o nariz obstruído ou coriza", afirma. Podem ainda ter
câncer de pulmão ou infarto agudo do miocárdio.
Livre de tabaco
Clientes divergem sobre a questão de livrar os restaurantes do tabaco. A exportadora Vera Medeiros não suporta fumaça
de cigarro e, muitas vezes, sente incômodo nesses estabelecimentos. "Evito ir a lugares onde se fuma muito. Mas abro exceções,
pelos amigos." Ela reclama que a roupa fica cheirando fumaça e os olhos ficam secos. A também exportadora Simone Fernandes,
fumante, acha que deve haver espaço igual para os dois grupos. "Se um local que freqüento virasse um ambiente livre de tabaco,
deixaria de ir. O fumante não pode ser discriminado."
Irlanda proíbe cigarro em local público desde março de 2004
A Irlanda, famosa por seus "pubs" esfumaçados, foi o primeiro país da Europa a vetar totalmente o tabaco em locais públicos,
em 29 de março de 2004. Em julho deste ano, entrou em vigor na Inglaterra a proibição de fumar em lugares públicos fechados,
como bares e restaurantes, e também nos ambientes de trabalho.
A Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte já vinham aplicando uma lei semelhante.
A proibição na Inglaterra teve por objetivo reduzir as mortes pelo fumo passivo, que, segundo médicos britânicos, passam
de 600 por ano.
Quem infringir a lei receberá uma multa de até 50 (cerca de R$ 183,11), mas o valor pode chegar a 200 (cerca de R$ 732,45)
se o infrator for condenado por um tribunal.
A idéia da Irlanda também foi copiada, em maior ou menor medida, por Noruega, Espanha, Itália, Malta, Suécia, Escócia,
Gales, Letônia e Lituânia. A lei espanhola que restringe o fumo, entretanto, é ignorada por muitos locais.
Neste ano, a França colocou em prática a primeira etapa para o veto total do fumo em locais públicos. Cafés, restaurantes,
cassinos e discotecas terão até janeiro para se adequar.
Aqueles que acenderem cigarros em locais como hospitais, escolas, escritórios, estações de trem e aeroportos poderão ser
multados -68 (cerca de R$ 173,26). O valor da multa para estabelecimentos onde alguém esteja fumando é de 135 (cerca de R$
343,98).
Na França, o cigarro é a principal causa da chamada mortalidade evitável -66 mil fumantes morrem ao ano no país, além
de 5.000 fumantes passivos, segundo o governo.
Em março, os 16 Estados da Federação Alemã aprovaram a proibição do fumo em restaurantes, exceto aqueles que dispuserem
de uma sala separada e fechada para fumantes.
60 empresas aguardam selo de secretaria
Lançado há pouco mais de dois meses, o selo Ambiente Livre do Tabaco, concedido pela Secretaria de Estado da Saúde, tem,
até agora, 60 empresas para recebê-lo. Em novembro, a Philips deve ter o selo. O gerente médico do departamento de Saúde e
Qualidade de Vida da Philips, Walter Sanches Aranda, 49, diz que receber o selo é uma grande motivação no trabalho contra
o tabagismo. A empresa não tem dados, mas Aranda acha que a qualidade de vida melhorou. "Isso reduz crises de rinite e casos
respiratórios", disse.
Fonte: Folha de São Paulo