17/04/2006
Ainda o drama dos planos de saúde
Economia - O Estado de S.Paulo, 17/04/2006
Entra ano, sai ano, os planos de saúde individuais continuam nas primeiras páginas dos jornais, assombrando as operadoras,
o governo e, acima de tudo, os consumidores. Do final do ano para cá a situação não mudou, seja em relação aos planos novos,
que vão sumindo das prateleiras de várias operadoras, seja em relação aos planos antigos, que continuam com seus aumentos
no judiciário, o que faz com que ninguém saiba o final da novela, ainda que os aumentos sendo, mais que óbvios, necessários.
Ninguém foge da regra que as despesas precisam ser cobertas com receitas no mínimo equivalentes. Ignorar isto é aceitar
a revogação da lei da gravidade, ou da lei da oferta e da procura, o que, no Brasil, não teria nada de novo. O problema é
que não dá certo. Quando a despesa é maior que a receita, temos prejuízo. E um prejuízo contínuo, por um largo espaço de tempo,
por devorar os ativos do negócio, só é suportável até o momento em que o patrimônio não consegue mais responder pelas perdas,
caracterizando a figura jurídica da quebra, já que deixa de haver recursos para honrar os compromissos. Lamentavelmente esta
situação tem se repetido, atingindo planos de saúde que vão fazendo água e devorando as reservas da operadora, por conta da
impossibilidade de acertarem a equação entre receita e despesa.
Não que a conta seja difícil de ser feita, ou que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não conheça o que está
acontecendo. Ela sabe e, principalmente em relação aos produtos anteriores à lei dos planos de saúde, não está tentando tapar
o Sol com a peneira, tanto que autorizou vários dos reajustes que estão na Justiça e é ré nestes processos.
O drama nacional passa essencialmente por uma lei cheia de boas intenções, mas sem base na realidade. A lei dos planos
de saúde é tão ruim que, assim que foi baixada, foi modificada por uma medida provisória que alterou quase que totalmente
o seu texto. E, depois disto, por um longo período, mês a mês, o governo baixou uma série de outras medidas provisórias que
alteravam o texto da medida anterior, sem se preocupar com o fato de que os contratos valem de acordo com a lei na data de
sua assinatura, o que pode levar o caos ainda mais longe, se este princípio for observado de forma estrita pelos tribunais.
O problema insolúvel é que a lei pretende dar medicina de Primeiro Mundo, o que é louvável, por preço para país em desenvolvimento,
o que é inviável.
Comparando rapidamente, enquanto um americano comum gasta perto de US$ 3.500 por ano para ter um plano que pode ter carências,
franquias, exclusões para determinados procedimentos e limites máximos de indenizações, o brasileiro médio gasta ao redor
de R$ 1 mil por ano para ter um plano mais rígido, sem franquias, com garantias abrangentes para os mais diversos procedimentos
e sem possibilidade de ser modificado, ainda que de comum acordo entre as partes.
Quer dizer, enquanto a nação mais rica e com a medicina mais desenvolvida do mundo permite que sua população tenha planos
com coberturas as mais variadas, de acordo com a capacidade de custeio de cada um, o Brasil impõe para todos os envolvidos
os ônus de um sistema que deseja dar carro de luxo para quem mal tem dinheiro para ter uma Brasília amarela.
Infelizmente, plano de saúde privado, em grande parte do planeta, é artigo de luxo. Custa caro e serve para atender só
uma minoria que tem capacidade econômica para fazer frente aos custos. A regra é um serviço médico-hospitalar padrão em nível
de quartos coletivos, ou enfermaria, que pode ser oferecido por entidades públicas ou privadas, dentro de normas de atendimento
razoáveis e eficientes.
Se não aceitarmos a realidade nacional, onde a soma do orçamento do Ministério da Saúde com o faturamento dos planos de
saúde não chega a cem bilhões de reais, continuaremos, lentamente, quebrando o sistema de saúde privado e onerando o SUS,
que já mal se agüenta em cima das pernas.