A neurocientista e psiquiatra Nora Volkow, 53, foi a primeira mulher a assumir a direção do Nida (instituto nacional dos
EUA para o abuso de drogas), em 2003. Eleita pela revista "Time" uma das cem pessoas mais influentes do mundo, foi pioneira
no uso da tomografia para investigar o efeito das drogas.
Publicou mais de 400 artigos, mostrando que a dopamina tem um papel fundamental em todas as dependências -das drogas ilícitas
ao vício em jogos ou compulsão alimentar- e reforçando a ideia de que a dependência é uma doença crônica, que deve ser tratada
como tal.
Volkow nasceu no México, na mesma casa em que seu bisavô, o revolucionário russo Leon Trotsky, foi assassinado. Na última
quarta-feira (24), esteve em São Paulo, onde realizou uma palestra na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Leia a
seguir trechos da entrevista que a cientista concedeu à Folha.
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FOLHA - Como a sra. define a dependência?
NORA VOLKOW - É uma doença crônica e reincidente, que envolve mudanças no cérebro que levam ao consumo compulsivo de drogas
apesar de suas consequências devastadoras. A decisão inicial de usar uma droga é voluntária, mas seu uso crônico pode precipitar
mudanças cerebrais que comprometem os sistemas de recompensa, motivação e mesmo o livre-arbítrio.
FOLHA - Qual a diferença entre os mecanismos que levam ao vício em drogas e os que levam a outras dependências, como jogo
compulsivo?
VOLKOW - Temos evidências de que os mecanismos cerebrais de dependências comportamentais, como jogo compulsivo, são similares
aos produzidos por drogas. As substâncias psicoativas interferem nos mecanismos de recompensa, controlados pelo neurotransmissor
dopamina. A maioria das drogas aumenta exageradamente a produção de dopamina, o que sobrecarrega o sistema de motivação e
afeta circuitos cerebrais como a memória, a tomada de decisões e a motivação. O jogo compulsivo interfere nos mesmos circuitos
cerebrais.
FOLHA - O que as tomografias nos contam sobre a dependência?
VOLKOW - Poder monitorar o cérebro em atividade nos permitiu realmente "ver" as mudanças associadas à dependência e seu
risco. As tecnologias de imagem são instrumentos poderosos para combater o estigma, ainda muito difundido, de que abandonar
o vício é uma questão de vontade. Demonstrar que [a dependência] é uma doença pode levar a uma enorme mudança na visão que
médicos, políticos, o público em geral e muitos cientistas têm do vício e do dependente.
FOLHA - São essas evidências que levam a sra. a defender que o dependente não seja criminalizado?
VOLKOW - Não é meu papel dizer à sociedade como lidar com o status legal desses indivíduos, mas posso usar o conhecimento
que tenho para informar os responsáveis pelas políticas públicas que a dependência é um distúrbio médico e que os tratamentos
para ela funcionam. Pesquisas mostram que tratamentos feitos dentro do sistema prisional reduzem o abuso de drogas e a volta
à prisão, o que pode ser uma forma de acabar com o círculo vicioso de abuso de droga e problemas com a justiça criminal.
FOLHA - E qual é sua opinião sobre a descriminalização da maconha?
VOLKOW - Tenho de me ater aos fatos. Não sabemos exatamente o que aconteceria nessas circunstâncias, mas sabemos que,
quando uma droga se torna mais disponível, o uso cresce. É o que acontece com o tabaco e o álcool.
FOLHA - Quais são os melhores tratamentos disponíveis?
VOLKOW - Os mais eficazes envolvem o uso personalizado de medicamentos e terapias comportamentais. Em particular, a dependência
a opiáceos pode ser tratada com bastante sucesso. Para as dependências severas, necessitamos de um sistema de cuidados crônicos,
com a consciência de que recaídas são comuns e devem ser rapidamente tratadas.
FOLHA - E quais são as perspectivas de novos tratamentos?
VOLKOW - Graças à ciência básica, particularmente na área de genética, estamos identificando novos alvos para os medicamentos.
Outra abordagem é o uso de medicamentos aprovados para outros usos, mas que podem ser úteis para tratar dependência. As técnicas
de imagem cerebral também estão abrindo novas oportunidades terapêuticas. Por exemplo, uma técnica chamada neurofeedback pode
permitir que a pessoa freie voluntariamente áreas específicas do cérebro para controlar a compulsão.
Fonte:
href="http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u712315.shtml" target="_blank">Folha de São Paulo