27/09/2007

A transparência ética

Ao longo dos anos, temos insistido sobre a importância de o médico informar ao paciente os riscos inerentes (ao menos os mais prováveis) que envolvem determinado tratamento clínico ou, especialmente, cirúrgico ao qual será submetido. Jamais qualquer médico discordou disso, até que comecemos a falar sobre a relevância jurídica de produzir um instrumento probatório de que tal informação fora dada.


Nesse passo, residem algumas controvérsias, que até já foram maiores, mas que ainda existem. Há aqueles que defendem que a produção de um termo de consentimento informado (ou qualquer outro nome equivalente) propiciará a perda de pacientes. Outros entendem que o referido documento significa, em algum nível, a depreciação da relação médico-paciente, entre outras opiniões.


O fato é que, à luz da legislação vigente, principalmente do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, além do próprio Código de Ética Médica, em seu artigo 46, a impossibilidade de o médico provar que cumpriu com o dever de informar propicia a caracterização, em tese, de um ato negligente. Assim, surge a necessidade de o médico produzir a chamada "prova negativa", isto é, provar que não fez o dano que se alega.


Como dissemos linhas atrás, há muito tempo vimos falando sobre esse fenômeno jurídico. Em determinadas ações judiciais indenizatórias, por exemplo, mesmo quando se chega, no final do processo, à conclusão de ausência de imprudência e imperícia do doutor, ainda assim, segundo o pensamento de vários juízes, poderá haver uma condenação sob a égide de que não há prova de que o paciente fora devidamente informado sobre a possibilidade de ocorrência da complicação. Motivo pelo qual ingressou com a demanda judicial. É pesado ao extremo, mas é a lei.


Apenas para citar dois exemplos mais recentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (preservando os nomes dos envolvidos, a toda evidência), transcreveremos trechos de duas decisões de segunda instância a esse respeito.


Caso de Cirurgia Plástica, julgado pela 2ª Câmara Cível: "Reconhecida a obrigação como de resultado, impunha-se ao recorrido o dever de informar, adequadamente, a apelante, acerca das conseqüências da cirurgia, visto como o resultado não foi o esperado. Não existe prova nos autos de que o recorrido (médico) adimpliu tal dever. Tampouco lhe foi deferida oportunidade para tanto, o que não se coaduna com o princípio do contraditório".


O outro exemplo foi um caso de Oftalmologia, julgado pela 15ª Câmara Cível: "Note-se que a sentença recorrida chegou à mesma conclusão, no sentido de ter havido mera complicação pós-operatória, impossível de ser prevista e possível de ocorrer, mas deu pela procedência do pedido, forte em não terem os réus da ação informados à recorrente acerca dos riscos da cirurgia".


São apenas dois exemplos, ambos do ano de 2006, para demonstrar que está crescendo a tendência de se exigir a prova de que houve o cumprimento do dever de informar. Se por um lado ainda não é um pensamento majoritário, por outro não se pode ignorar que é um raciocínio crescente no meio jurídico e, por conseguinte, é preciso, mais do que nunca, uma reflexão profunda que se consubstancie em ação preventiva efetiva.

Por fim, há que se analisar a hipótese de melhor examinar a relação do médico com o seu paciente quando este se negar a assinar um termo de consentimento informado.



Antônio Ferreira Couto Filho é presidente da Comissão de Biodireito do IAB - Instituto de Advogados Brasileiros e Consultor jurídico do Colégio Brasileiro de Cirurgiões

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