28/01/2009
A saúde e o fantasma da crise econômica
O discurso da crise no setor de saúde, tal qual música de uma nota só, tem sido tão propalado nos últimos 30 anos que, para
os mais desatentos, pode soar com descrédito ou desconfiança. Não que a queixa esteja dissociada da realidade. Ao contrário.
É fato, embora com alternância de momentos piores ou menos piores. O sistema público de saúde sofre de um mal crônico que
é a incompatibilidade entre o seu custo e o que lhe é disponibilizado para ser gasto. Hospedado sob a sigla do SUS nos últimos
20 anos, o sistema até hoje não teve regulamentado de forma clara e objetiva o seu financiamento, o que permite todo tipo
de distorção, incluindo erros de gestão, desvio de finalidades e má gerência dos recursos públicos.
Se o discurso é "surrado", em muito contribuíram - e continuam contribuindo - para o atual estádio as nossas lideranças
políticas, investidas de funções executivas ou legisladoras. Há explícita falta de vontade política para um reestudo da questão
"saúde" no País, com possível implementação de um PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) específico para o setor. A Emenda
Constitucional 29, originária de proposta apresentada há uma década, até agora não foi regulamentada, com o que mantém a fragilidade
do orçamento da saúde. Com isso, gestores nas três esferas de governo - federal, estados e municípios - abusam do descumprimento
constitucional e só fazem avolumar o descaminho dos recursos que deveriam ser direcionados à saúde. É bom recordar que, se
perdurassem os critérios de financiamento da antiga seguridade, hoje o orçamento anual da saúde seria em torno de R$ 100 bilhões,
o dobro do que vem sendo aplicado.
Se os indicadores não vinham sendo dos melhores ao início de cada ano, o que pensar agora, em meio a crise econômica mundial.
Nesta nova leitura fica evidente que teremos um 2009 bastante sombrio. Difícil sobretudo para um setor como o da saúde, onde
cerca de 40% de todos os insumos são importados e cotados em dólar. Tivéssemos de enfrentar uma desvalorização cambial (do
real frente ao dólar) de 10 ou 15% ainda seria possível absorver com boa dose de ajustes administrativos e econômicos de nossas
empresas. Com a moeda norte-americana sendo elevada em cerca de 50% frente ao real, projeta-se óbvio reflexo negativo nas
finanças dos estabelecimentos de saúde, com desdobramentos previsíveis na limitação de atualização tecnológica, de investimentos
em recursos humanos e na própria qualidade dos serviços prestados.
O reajuste recém-concedido pelo Ministério da Saúde para os procedimentos do SUS, com impacto financeiro da ordem de R$
2,7 bilhões (R$ 146 milhões para o Paraná), não chega a oferecer ânimo. Planejado antes de deflagrar a crise econômica, o
aumento dos valores está atrelado a distorções que existiam e a variações inflacionárias. Nunca é demais lembrar que a inflação
dos custos da saúde são cerca de duas vezes mais elevados que a inflação geral medida pelos institutos convencionais.
Atualmente, no Brasil, cerca de 8% de seu PIB são destinados ao sistema de saúde, sendo 3,5% aproximadamente para o público
e mais 4,5% para o suplementar, o que inclui valores gastos diretamente no consumo de produtos e serviços de saúde. No passado,
os investimentos públicos em saúde já foram de mais de 70% do total, o que demonstra o enfraquecimento e perda de prioridade.
Os efeitos da crise tendem a influenciar o crescimento econômico brasileiro e, mantida a expectativa de elevação anual
do PIB em 3%, dentro de 15 anos será necessário subir a fatia da saúde para 11,4% para assegurar as condições de eficiência
e demanda de serviços para manter o sistema que temos hoje, como observa o Prof. Marcos Bosi Ferraz, diretor do Centro Paulista
de Economia em Saúde (CPES/Unifesp).
O comportamento da economia também vai ditar as regras da saúde supletiva. Hoje, o maior contingente de cidadãos brasileiros
guarnecidos por plano ou seguro saúde depende do nível de emprego. A redução da atividade econômica e do emprego formal pode
fazer com que haja substancial decréscimo no número de usuários do sistema complementar. Com isso, tendem a engrossar a "fila"
dos que recorrem aos serviços públicos de saúde, pressionando a demanda, estrangulando sua capacidade e suas previsões orçamentárias.
Sob um cenário que projeta dificuldades, os estabelecimentos de serviços de saúde terão, mais do que nunca, buscar mecanismos
de eficiência de gestão, de otimização de custos e de suporte de representatividade para melhor orientação e preservação de
seus direitos. Assim, mais do que em qualquer outro tempo, é necessário termos nossas instituições fortalecidas com o apoio
associativo. Ao longo de 2008, diretores da FEHOSPAR e da AHOPAR estiveram em todas as regiões do Estado, promovendo a aproximação
com Sindicatos filiados e com associados. Foram encontros altamente proveitosos, em especial para melhor estruturar os Sindicatos
e para conhecer um pouco mais das particularidades e dificuldades dos estabelecimentos de cada região. Queremos estar ainda
mais próximos e temos na Hospitasul 2009, congresso e feira que vão ocorrer em março em Foz do Iguaçu, uma excepcional oportunidade
para dividir conhecimentos e oportunidades e traçar novas estratégias para o nosso segmento.
No balanço positivo das atividades do ano que passou, temos a ressaltar o estreitamento de relações com outras instituições
representativas de áreas afins, dentre elas o Conselho Regional de Medicina do Paraná, Associação Médica do Paraná, Conselho
Regional de Farmácia, Associação Brasileira de Enfermagem, Conselho Regional de Enfermagem, Femipa e IPASS, além de Secretarias
Municipais e a Estadual de Saúde, que nos últimos meses vem procurando cumprir os prazos para repasse dos valores do SUS.
Estão entre nossos objetivos as condições para a crescente qualificação dos serviços de saúde e a valorização dos profissionais
que atuam na área.
Além do fantasma da crise econômica, temos outros grandes desafios à nossa espera neste 2009 e que vão muito exigir esforço,
criatividade e união. Então, vamos à luta para ter bons motivos sempre a comemorar, tal qual a ampliação do Super Simples
a setores da saúde, acolhendo mobilizações nacionais a que fizemos parte e que se voltam à contenção da gana tributária.
Cabe, agora, aos nossos governantes e legisladores, responsabilidade e transparência no trato do dinheiro público em tempos
de sacrifício para todo o povo brasileiro.
Renato Merolli é presidente da FEHOSPAR e da AHOPAR e vice-presidente da CNS e FB.