30/03/2010
A residência médica e seus percalços
Os ministérios da Saúde e Educação lançaram, em 2009, o Pró-Residência, Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas
em Áreas Estratégicas para o SUS. O programa tem como objetivo principal redirecionar a residência médica para o atendimento
das carências assistenciais no Sistema Único de Saúde. O governo prometeu investir nesta iniciativa, R$ 24 milhões, em 2010,
e R$ 48 milhões, em 2011, segundo informação transmitida, na oportunidade, pela Secretaria de Gestão e Educação na Saúde,
do Ministério da Saúde.
Ao todo, o Pró-Residência disponibilizou mil bolsas para as especialidades prioritárias que são Clínica Médica, Cirurgia
Geral, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e Medicina Preventiva e Social, Medicina da Família e Comunidade, Psiquiatria,
Geriatria, Cancerologia Clínica e Cirurgia, Radioterapia, Patologia, Anestesiologia, entre outras. Acontece que a bravata
não se confirmou, como grande parte das políticas de saúde propostas pelo atual governo. Fez-se enorme publicidade, alguns
ganharam imerecido prestígio, mas os resultados foram decepcionantes.
Dias atrás veio a público que, das mil bolsas programadas,
apenas 785 foram preenchidas.
A distribuição manteve as distorções históricas do setor: 40% das bolsas ficaram no Sul (3%) e Sudeste (33%). Somente
60% foram destinadas para todas as outras regiões que são as mais carentes de profissionais. Pior ainda: um número expressivo
das bolsas concedidas foi usado para substituição de fonte pagadora sem, de fato, representar um aumento de vagas. Em outras
palavras, o Pró-Residência apenas substitui as vagas oferecidas anteriormente, gerando, assim, uma economia de verbas que
não se reverte em benefício real para a sociedade.
Com tudo isso, o caos da residência médica continua o mesmo no Brasil. É a triste obra de bacharéis em Medicina que comandam
um segmento tão importante olhando para os problemas da janela de seus gabinetes luxuosos. Não se preocupam em conhecer a
realidade do sistema de saúde no país e, muito menos, em transformá-la.
Assim, ficamos com vagas ociosas por pura incompetência de governantes populistas e burocráticos. Falta visão política,
noção de prioridades, e respeito aos anseios dos cidadãos. Mais importante do que expandir o número de bolsas para residência,
os resultados seriam melhores se a proposta fosse capacitar e remunerar bem os preceptores.
Residência médica não se faz burocraticamente. Precisamos diminuir o enfoque tecnicista que prioriza exclusivamente aspectos
tecnológicos da Medicina. Queremos que a residência médica seja orquestrada pelos princípios humanísticos, considerando todas
as particularidades regionais desse país continental de imensas proporções. Simultaneamente, é mister dar ênfase à promoção
da saúde, prevenção, eficácia do diagnóstico e do tratamento, reabilitação e reintegração à sociedade.
A residência médica brasileira requer também a valorização da preceptoria de alto nível, porque só é possível aprender
efetivamente através do testemunho da presença do professor. Também não podemos deixar de lado a luta para impedir que o residente
seja utilizado como mão de obra barata em regiões desfavorecidas e afastadas dos grandes centros.
Conclusão: a residência
requer inteligência e sensibilidade daqueles que estão em posição de poder. É isso que esperamos. Resta saber até quando.
Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica