Em alusão ao movimento Maio Amarelo 2024, instituído
pela Lei nº 18.624/2015, dedicado às ações preventivas de conscientização para a redução
de sinistros (acidentes) de trânsito no Paraná, o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), por
meio da Câmara Técnica de Medicina do Tráfego, promoveu o podcast "A relação
da Medicina do Tráfego com as demais especialidades médicas".
A intenção dessa
conversa foi discutir formas com que o médico pode contribuir para a segurança no trânsito, preventivamente
e de forma continuada, ao longo de todo o ano e não apenas no mês de maio. Nesse contexto, a Câmara técnica
de Medicina do Tráfego expôs a importância da perícia para habilitação das pessoas
como motoristas e a necessidade do preenchimento adequado dos formulários pelos médicos assistentes.
O
Exame de Aptidão Física e Mental destinado à avaliação para obtenção da Carteira
Nacional de Habilitação, previsto no art. 147 do Código de Trânsito Brasileiro - Lei nº 9.503/1997
(CTB), é uma perícia médica administrativa, realizada por médicos especialistas em Medicina do
Tráfego, com registro da especialidade no respectivo Conselho Regional de Medicina.[1]
Então,
por que o médico assistente precisa emitir relatório para o Detran?
É comum que os periciados
(candidatos a motoristas) não consigam esclarecer dados importantes no momento do Exame de Aptidão Física
e Mental. Além disso, o relatório emitido pelos médicos assistentes e/ou exames complementares ajudam
a subsidiar a decisão do perito médico do tráfego.
Conforme a Resolução CRM-PR nº
2.873/2022, os pedidos de informações não têm como objetivo eximir o médico do tráfego
da responsabilidade finalística de decisão pela aptidão (ou inaptidão) para a condução
veicular e nem de transferir esta atribuição para o médico assistente.
A direção
veicular é uma atividade complexa, que envolve competências cognitivas (percepção, julgamento e
tempo de reação), exigindo habilidades motoras e capacidade para interagir com o veículo e o ambiente
externo. As informações provenientes das funções sensitivas (visual e auditiva) têm de ser
processadas em tempo oportuno, levando a decisões sobre a condução veicular[2].
Por
esse motivo, a avaliação pericial de candidatos não se limita à avaliação oftalmológica,
inclui também a otorrinolaringológica, cardiorrespiratória, neurológica, do estado mental e do
aparelho locomotor. São aplicados testes e avaliações padronizadas[3] para esse fim, os quais,
muitas vezes, não são percebidos pelo periciado.
O perito médico do tráfego tem contato
com o periciando somente no momento do Exame de Aptidão Física e Mental e seu papel não é de assistência,
por isso, algumas vezes, necessita dos préstimos dos colegas de outras especialidades para conclusão da sua
perícia.
Já os médicos assistentes conhecem histórico, diagnóstico, exames complementares,
tratamentos instituídos, prognóstico e aderência ao tratamento, dentre outros dados importantes dos seus
pacientes. Essas informações devem estar presentes nos relatórios ou atestados do médico assistente,
o qual deverá fornecê-los sempre que solicitado por seu paciente, inclusive para fins de perícia médica
(Resolução CFM nº 1.658/02, Art. 3º, parágrafo único).
Esse é o motivo
pelo qual os peritos médicos credenciados ao Detran solicitam relatórios e pareceres dos médicos assistentes,
inclusive em relação ao seu entendimento favorável ou não à direção veicular,
do ponto de vista clínico e farmacológica da(s) doença(s) que acompanham.
O médico
assistente é quem atesta a condição para dirigir?
Não. O perito médico
do tráfego é o responsável por decidir sobre a aptidão ou não do candidato para a direção
veicular. O relatório ou atestado do médico assistente tem como finalidade auxiliar a avaliação
pericial, podendo ser acatado ou não pelo perito (Resolução CFM nº 1.658/02, Art. 6º, §
3º).
O médico assistente é quem recomenda ou decide pela adaptação de veículos
de pessoas com deficiência?
Não. A avaliação quanto à obrigatoriedade de
adaptações veiculares para portadores de deficiência física é uma atribuição
do médico perito do tráfego, que segue a NBR 14.970 da ABNT, conforme Resolução do Contran nº
927/2022, norma regulamentadora da perícia do tráfego.
Nestes casos, o perito médico encaminha
o candidato para exame pericial complementar denominado de Junta Médica Especial. A finalidade é avaliar as
limitações físicas decorrentes de alterações degenerativas, congênitas ou adquiridas
dos portadores de deficiência física, visando melhorar suas habilidades para a direção segura,
quando necessário.
Salienta-se que esse exame não tem como objetivo o fornecimento de laudos para concessão
de benefícios fiscais, assim como não é indicado para pessoas portadoras de deficiência que não
necessitam de adaptação veicular (monocular, deficiência auditiva, transtornos do desenvolvimento TEA).
Seu propósito é avaliação da condição de dirigibilidade da pessoa.
Como
você, médico, pode contribuir para salvar vidas no trânsito?
No podcast do dia 20 de maio
de 2024 - “Café da manhã com o CRM-PR”, a Câmara Técnica de Medicina do Tráfego
abordou o tema “A relação da Medicina do Tráfego com as demais especialidades médicas”.
Foram apresentados vários exemplos de situações em que a participação do médico
assistente é muito importante e imprescindível para subsidiar a decisão do perito médico do tráfego,
contribuindo para um trânsito mais seguro para todos.
Segundo ADURA6 , doenças
dos motoristas são responsáveis por cerca de 12% dos sinistros (acidentes) de trânsito fatais, especialmente
Cardiopatias, Epilepsia, Demências, transtornos Mentais, Hipoglicemias e Apneia Obstrutiva do Sono.
Assim, os
médicos assistentes têm papel fundamental na prevenção de sinistros (acidentes) de trânsito,
ao orientar e esclarecer seus pacientes de que forma a doença e o tratamento podem interferir no ato de dirigir. Podem
questioná-los sobre as categorias para as quais encontram-se habilitados, assim como quanto a auto percepção
da capacidade como motorista. Quando necessário, devem recomendar a descontinuidade (temporária ou definitiva)
da condução veicular, alertando seus pacientes sobre os riscos para a segurança no trânsito, registrando
essa informação em prontuário médico.
Mais importante, o médico deve ser exemplo,
respeitando as regras estabelecidas na legislação de trânsito vigente, tal como não produzir conteúdos
digitais voltados aos seus pacientes ou para outros fins, enquanto dirige, assim como não consumir álcool antes
de dirigir. Podem desestimular outras pessoas à prática dessas e de outras atitudes de risco no trânsito.
Segundo
dados da coordenação do Programa Vida no Trânsito do Paraná[4](PVT-PR), mais de 2.700
pessoas perderam suas vidas por lesões de trânsito em 2022, no Paraná, correspondendo a cerca de sete
pessoas por dia. Além disso, quase 11.000 necessitaram internações nesse mesmo período, somente
em leitos SUS. Os municípios aderentes ao programa têm por objetivo subsidiar a implementação de
políticas pública baseadas em evidências, a partir de estudos sobre os sinistros (acidentes) de trânsito
e suas vítimas.
As análises do PVT-PR vêm mostrando que o uso de álcool e o excesso de velocidade
são os principais fatores de risco relacionados às mortes no trânsito. No entanto, chama a atenção,
o elevado número eventos graves e fatais envolvendo motoristas que tiveram “mal súbito” durante
a condução veicular (crise convulsiva, doença cardíaca, alteração neurológica,
metabólica pós-diálise ou por complicações do diabetes, entre outras).
Todas essas
doenças, certamente, fazem parte do atendimento cotidiano da maior parte dos médicos. Diante desse cenário,
o médico assistente tem a responsabilidade de questionar, orientar e esclarecer seus pacientes, bem como de contribuir
com os médicos peritos do tráfego na avaliação da aptidão física e mental para a
direção veicular segura para todos.
[1]Brasil. Presidência da República. Casa
Civil. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503compilado.htm Acesso em 23
mai 2024.[2]Adura, Flávio.
O Exame de Aptidão Física e Mental - EAFM realizado em conformidade com evidências médicas
científicas. In: Adura, Flávio. Medicina do Tráfego: manual do exame de aptidão
física e mental para condutores e candidatos a condutores de veículos automotores. 2.ed., rev. e ampl.
- Porto Alegre : Evangraf, 2021, p. 15-17.[3]Conselho
Nacional de Trânsito. Anexos da Resolução no 927, de 28 de março de 2022. Disponível
em:http://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/transito/conteudo-contran/resolucoes/Resolucao9272022ANEXO.pdf
Acesso em 23 mai 2024[4]Paraná.
Divisão de Promoção da Cultura de Paz e Ações Intersetoriais. Coordenação
de Promoção da Saúde. Diretoria de Atenção e Vigilância em Saúde. Secretaria
de Estado da Saúde do Paraná. Programa Vida no Trânsito Paraná. PVT- PR/DVPAZ/CPRO/DAV/SESA-PR,
maio de 2024.
*Andréa Regina Freitas Teixeira (CRM-PR
23.446 | RQE 17.391), Alcides Trentin Junior (CRM-PR 35.764 | RQE 20.149), Edson Keity Otta (CRM-PR 14.743 | RQE 25.689),
Hugo de Jesus Parente (CRM-PR 34.821 | RQE 28.986), Lilian Kondo (CRM-PR 32.001 | RQE 17.436), Marlon Alessandro Gaspar
Palácio (CRM-PR 16.759 | RQE 17.397), Marlus Franzoloso (CRM-PR 8.112 | RQE 16.285), Ramon Cavalcanti Ceschim (CRM-PR
24.298 | RQE 875), Tatiana Gomara Neves (CRM-PR 15.646 | RQE 24.230) e Vicente Toyoji Maeda (CRM-PR 10.309 | RQE 1.560) são
membros da Câmara Técnica de Medicina do Tráfego do CRM-PR.
**As opiniões emitidas nos artigos
desta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente,
o entendimento do CRM-PR.