28/01/2007
A realidade da assistência médica
"Longe estão os médicos de não atenderem os mais pobres, até porque a maior característica da assistência pelo profissional
é exatamente a não-discriminação."
Em recente análise junto à população, um renomado instituto de pesquisa apontou os médicos como a corporação de maior
credibilidade entre os brasileiros, alcançando o índice de 81%, cenário pouco alterado nestes 17 anos de avaliação da imagem
das categorias.
Cerca de 85% dos médicos de todo o Brasil, de alguma forma, prestam serviço ao Sistema Único de Saúde.
Quase a totalidade dos brasileiros e um expressivo contingente de pessoas de outras nacionalidades são atendidos por este
sistema, como o que posso diz, sem medo de errar, que o SUS é a "grande operadora de saúde" deste País.
Há imperfeições, equívocos de gestão, falta de prioridades, dificuldades na área de média complexidade e outras tantas
questões que induzem à necessidade de melhorias.
A definição total da Emenda Constitucional 29, com sua regulamentação, é imperativo para que município, estado e federação
estabeleçam, de vez por todas, o investimento direto em saúde. Os recursos públicos para a saúde, destinados para cada brasileiro,
não chegam a 300 reais/ano. Este valor é irrisório quando comparado com países da América do Norte, da Europa, Ásia e até
dos nossos vizinhos da América do Sul.
É da lavra da Associação Nacional do Ministério Público: "... o subfinanciamento do SUS é, hoje, o fator que mais impossibilita
os gestores municipais e estaduais de organizarem a oferta de serviços com qualidade, de acordo com as necessidades e direitos
da população usuária, o que os compele a sub-remunerar os profissionais e os estabelecimentos de serviços..."
A assistência em saúde não pode ser entendida pela simples presença física do médico, embora seja fundamental, pois não
existe assistência médica sem médico. É necessário que se aplique aqui o sentimento de equipe de saúde, com participação de
médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas e outros profissionais, cujo trabalho é de permitir
o acolhimento, a humanização e o atendimento médico mais adequados.
A relação médico-paciente, mesmo com todo o advento da tecnologia, não pode ser considerada como fator secundário na assistência.
Ao contrário. Se o fato cognitivo é importante, o afetivo tem função primordial.
A exigência da especialização dentro da sociedade brasileira impõe ao médico período maior de investimento, dedicação
e anos de estudo. De certa forma, passa a exercer suas funções de maneira mais hesitante, reflexo da imposição do próprio
sistema atual de assistência médica nos municípios.
Pelos números aqui apresentados, longe estão os médicos de não atenderem os mais pobres, até porque a maior característica
da assistência pelo profissional é exatamente a não-discriminação, preceituado nos princípios fundamentais do Código de Ética
Médica, já em seu artigo 1.º. A singularidade desta afirmativa pode ser comprovada pela remuneração que o médico recebe em
uma consulta pelo SUS, que é R$ 2,04, ou da assistência de um parto com cerca de oito horas de atenção plena, com valores
que não chegam a R$ 100,00. Observe-se ainda que os valores para uma cesariana são ainda menores em todas as operadoras de
saúde.
Poderíamos avaliar as várias áreas da Medicina e, certamente, deixaríamos a todos estarrecidos com o contraste entre o
zelo e responsabilidade de cada procedimento e a recíproca remuneratória.
A exigência administrativa de médicos de família é importante na assistência básica. Porém, os casos emergenciais requerem
maior investimento técnico e disponibilidade a toda população. Não é o que se observa na nossa realidade. Um dos exemplos
recentes vem do município de Tibagi que, em dificuldades financeiras, reduziu em 20% o investimento em saúde, como ocorreu
com o Ministério da Saúde ao promover a diminuição do aporte financeiro ainda em 2006.
Não pode o médico e demais profissionais de saúde serem encarados como o responsável final pelas dificuldades encontradas
pelos usuários. É mister que esta responsabilidade deva ser de alçada exclusiva dos gestores.
A falta de estrutura nos hospitais e serviços de pronto atendimento, com sério comprometimento à qualidade da assistência,
assim como a insegurança predominante nesses locais, com exposição direta à integridade física pelas reações de insatisfação
dos usuários, são fatores que contribuem para o afastamento dos profissionais. A solução, com certeza, passa longe de fomentar
a proliferação de médicos malformados e despreparados, oriundos de escolas mercantilistas e sem compromisso com os princípios
basilares da atividade.
O direito de cidadania em querer o melhor na área de saúde conta, absolutamente, com a intervenção plena dos Conselhos
de Medicina, que têm como função precípua, exatamente, a defesa a sociedade.
(*) Hélcio Bertolozzi Soares é presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná.