22/09/2010
A qualificação do ambiente de trabalho
Há estimativas de que, no mundo, faltem hoje milhões de profissionais de saúde. Essa é a trágica realidade das populações
de países pobres e ricos. Realidade compreensível, mas inaceitável nos países pobres; igualmente inaceitável, mas incompreensível
em países desenvolvidos.
Como aceitar que, em um Brasil, proclamado emergente e dito autossuficiente, deixe centenas de municípios e milhares de
brasileiros desassistidos, dispondo de mais de 340 mil médicos e 170 mil enfermeiros em atividade?
Coexistem, de fato, e em muitos países, excesso de profissionais de saúde em algumas áreas - as mais desenvolvidas - e
absoluta escassez em outras - as esquecidas por seus governantes.
As razões para a distribuição iníqua de profissionais de saúde são muitas, complexas às vezes, e interdependentes sempre.
Incluem-se aqui riscos ocupacionais, violência física e psicológica, sobrecarga de trabalho, remuneração insuficiente, oportunidades
limitadas de desenvolvimento na carreira. Predomina nesse contexto a péssima qualidade do ambiente de trabalho, prejudicando
o desempenho e afastando dele os profissionais.
Esse é, sem dúvida, um dos mais graves problemas de saúde do mundo de hoje.
É necessário transformar o ambiente de trabalho, de sorte a atrair e fixar aqueles que trabalham com saúde, melhorando
a satisfação e o resultado da assistência às pessoas.
Quais são as intervenções necessárias para qualificar positivamente o ambiente de trabalho?
1 - Reconhecimento profissional. É essencial reconhecer as competências das diferentes profissões, dar-lhes autonomia
e autocontrole verdadeiros, premiar pelo envolvimento e desempenho, monitorar a satisfação dos trabalhadores.
2 - Gerenciamento de Recursos Humanos. Tem-se aqui que garantir oportunidades iguais e tratamento apropriado, compensação
adequada, efetivo gerenciamento do desempenho, benefícios reais e expressivos, envolver os profissionais no planejamento e
na tomada de decisões, estimular a comunicação e o trabalho em equipe, incentivar uma cultura de confiança recíproca e respeito
entre as pessoas, adotar políticas que estimulem o registro de falhas, definir as responsabilidades de cada um dos envolvidos.
3 - Estruturas de apoio. Falta investir no ambiente de trabalho, fortalecer as relações entre os seus integrantes, fornecer
equipamentos e suprimentos adequados, envolver os profissionais em processos de avaliação contínua, promover equilíbrio sadio
entre vida e trabalho, assegurar que a prática se faça dentro de um código de ética claro e bem estabelecido, divulgar e estimular
padrões de boas práticas, revisar o escopo da prática e as competências de cada um. Em suma, oferecer oportunidades para o
desenvolvimento profissional.
Surpreende que, apesar do acúmulo de evidências nesse campo, as autoridades encarregadas de geri-lo continuem a ignorar
as soluções e insistam em propostas vazias, gastando precioso tempo, energia e dinheiro público tentando legitimá-las. Vem
deles apenas programas desgastados como a importação de profissionais do exterior, serviço social obrigatório, descaracterização
do escopo das profissões e transferência de responsabilidades sem correspondente qualificação, farta distribuição de diplomas
tentando distribuir profissionais por transbordamento, limitando as alternativas sorte a tangê-los ao que julgam ser a prioridade
do momento.
A lista de despautérios é longa e, infelizmente, não se limita às brevemente citadas acima.
Até quando nos deixaremos assim mal conduzir?
Até quando nossa sociedade tolerará falta de seriedade e competência no trato de assuntos que lhe dizem tão de perto?
Artigo escrito por:
José Luiz Gomes do Amaral,
Presidente da Associação Médica Brasileira, e
Maria Goretti David Lopes,
Presidente da Associação Brasileira de Enfermagem