23/03/2009
A novela dos diplomas cubanos
Pressionado pelo PT, pelo PC do B e pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), o governo continua tentando encontrar uma forma de
facilitar o reconhecimento de diplomas expedidos por faculdades cubanas e regularizar a situação dos brasileiros que se formaram
na Escola Latino-Americana de Medicina de Havana (Elam). A última iniciativa data de fevereiro, quando os Ministérios da Saúde
e da Educação baixaram uma portaria criando um "projeto piloto" cujo "público-alvo" são brasileiros formados em medicina em
Cuba. Divulgada às vésperas do carnaval, a portaria passou despercebida.
Dos 298 brasileiros que se formaram na Elam, nos últimos quatro anos, só 25 conseguiram, até agora, reconhecer o diploma
e regularizar sua situação. Os demais continuam sem poder exercer a profissão, o que só será possível depois de se submeterem
a um exame de proficiência e de habilitação profissional. Eles alegam que as principais universidades públicas do País não
têm interesse em revalidar diplomas expedidos por escolas cubanas e que as demais instituições que se dispõem a fazê-lo cobram
valores elevados. O que eles não contam é que, como os exames de habilitação e eficiência são rigorosos, de cada 100 médicos
formados em Cuba, 85 são reprovados, em média. Assim, o que eles querem é o reconhecimento automático do diploma, sem precisar
passar por qualquer exame de habilitação.
O problema é antigo e, apesar das pressões, o presidente Lula até hoje não conseguiu resolvê-lo. Em 2007, ele enviou
ao Congresso um projeto de lei que previa a equivalência automática dos diplomas de medicina expedidos nos dois países. Tendo
por base um termo de ajuste firmado pelo Itamaraty e pela chancelaria cubana, o texto foi rejeitado por comissões técnicas
da Câmara e aguarda votação do plenário, onde a possibilidade de aprovação é considerada remota até pelos líderes situacionistas.
Na viagem que fez a Havana, em 2008, Lula prometeu encontrar outra saída para o problema, mas teve forte oposição do
Conselho Federal de Medicina e da Associação Médica Brasileira. Há três meses, o Ministério da Saúde anunciou que uma de suas
metas, em 2009, seria regularizar a situação dos médicos brasileiros formados na Elam. E, há três semanas, espertamente impôs,
por meio de uma simples portaria ministerial, o que não conseguiu aprovar por meio de projeto de lei.
Na realidade, muitos brasileiros que frequentam cursos cubanos são estudantes que não conseguiram aprovação no vestibular
no País. Eles foram para Havana indicados por movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda. A Elam, por exemplo,
aceita qualquer candidato, desde que tenha o aval de entidades simpatizantes do regime castrista. A seleção valoriza a afinidade
ideológica, não o mérito.
Além disso, o currículo das escolas cubanas tem por objetivo divulgar um "modelo" de ensino que valoriza mais a medicina
"preventiva", voltada à prevenção de doenças entre a população de baixa renda, do que a medicina "curativa". No marketing
político cubano, os médicos "curativos" somente teriam interesse em atender a população rica dos grandes centros urbanos,
não se preocupando com a saúde das chamadas "classes populares".
Surpreendidas com o alcance da portaria dos ministros da Educação e da Saúde, que na prática dispensa estudantes brasileiros
formados em Cuba dos exames de proficiência e habilitação, entidades médicas e corporativas mobilizaram-se para tentar derrubá-la.
"A portaria é um subterfúgio. Não é possível um processo que se aplique só a estudantes de Cuba e não aos de Oxford ou Harvard",
diz o presidente da Associação Médica Brasileira, José Luiz Gomes do Amaral. "A portaria saiu na véspera do carnaval e com
artigo específico sobre escolas de medicina de Cuba. Não há como justificar o privilégio", afirma o deputado Rafael Guerra
(PSDB-MG).
O governo quer beneficiar "companheiros" que não conseguem ser aprovados em exames de habilitação profissional e bajular
o regime cubano - à custa, infelizmente, de riscos para a saúde e o bem-estar da população brasileira.
Editorial publicado em 22/03/2009 no Jornal O Estado de São Paulo