31/07/2009
A evolução da nova gripe
Os vírus influenza pandêmicos já causaram muitas mortes em humanos. No século 20 as ações de três tipos de vírus influenza
culminaram em pandemias: 1918, vírus H1N1; 1957, vírus H2N2; e 1968, vírus H3N2. Os dados de mortalidade, incluindo os vírus
influenza A e B, calculados segundo diversos métodos, não rigorosamente comparáveis, apontaram os seguintes números de mortes
por 100 mil habitantes, respectivamente: 598, 40,6 e 16,9. O atual gira em torno de 0,012.
Este novo vírus está associado à quarta geração descendente do vírus de 1918. A complexa história evolutiva das características
genéticas demonstra uma miscigenação do vírus influenza humano, aviário e suíno adaptado a uma possível resposta selecionada
imune herdada em determinadas populações. Esse complexo entre a rápida evolução viral e a dirigida alteração na resposta imune
do ser humano tem criado a "era pandêmica" dos últimos 91 anos.
Existem poucas evidências de que esta era estaria no começo ou no fim. Se existem boas notícias a respeito das sucessivas
pandemias quanto à diminuição da morbimortalidade, em razão, em parte, dos avanços na medicina e na saúde pública, isso também
pode ser reflexo das escolhas da evolução viral, objetivando ótima transmissibilidade com mínima patogenicidade. Um vírus
que mata o seu hospedeiro ou o manda para a cama passa a ser menos transmissível.
Em 25 de abril de 2009 foi declarada a Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional e desde 11 de junho a
Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que a pandemia está na fase seis. No momento, mais de 160 países já confirmaram
casos, com aproximadamente 800 mortes.
O Brasil, em observação restrita às orientações da OMS, estabeleceu, num primeiro momento e com sucesso, um plano de contenção,
com o objetivo claro de diminuir o quanto possível o número de infectados, na expectativa de que o pico da pandemia se desse
o mais distante do período de inverno e o mais próximo do uso da vacina, ainda a ser disponibilizada.
A partir da caracterização da transmissão sustentada no Brasil e da determinação da OMS de não mais contabilizar o número
de infectados, trocou-se o índice de letalidade (número de mortes pelo total de infectados) pela mortalidade (número de mortes
por 100 mil habitantes). Entramos numa outra fase, a de redução de danos, em que se objetiva diminuir o número de complicações
e de mortes.
Nas últimas semanas começamos a relatar um número crescente de mortes, o numerador, pois perdemos o denominador, representado
por um número muito maior, o de infectados. O fato criou um início de pânico na população e levou à procura, muitas vezes
sem motivos clínicos, de hospitais referenciados, públicos e privados. Há que entender o medo do desconhecido. A Secretaria
de Estado da Saúde de São Paulo e o Ministério da Saúde advertem sobre a importância da descentralização e hierarquização
do atendimento, pois só a referência e a contrarreferência organizadas garantirão o bom atendimento à população.
Para que o sistema funcione temos de ter uma excelente integração das três esferas de governo - federal, estadual e municipal
-, aliado ao envolvimento e à confiança da população. E aí se inicia a ação dos oportunistas de plantão, por meio de questionamentos
pouco científicos, sem fundamento teórico-prático, muitas vezes com objetivos escusos e puramente pessoais.
A crítica construtiva ajuda. Apontar erros do sistema, que sabidamente está longe de ser perfeito, é salutar. Que o Sistema
Único de Saúde (SUS) necessita de aprimoramentos e de mais recursos ninguém duvida.
Como especialista em doenças infecciosas e parasitárias há mais de 33 anos e diretor de um hospital de referência, o Instituto
de Infectologia Emílio Ribas, sou testemunha do esforço ilimitado dos profissionais da área e das autoridades da saúde para
fazer o melhor possível.
É suficiente? Por conta do dinamismo que o momento exige, as autoridades sanitárias estaduais e federais estão discutindo
propostas, que se referem aos novos polos de dispensação de medicamentos a partir da indicação médica, ao aumento do número
de laboratórios públicos e privados credenciados para a realização dos exames específicos e à implantação de equipes multiprofissionais
volantes para dar suporte às Unidades Básicas de Saúde, dentre outras.
Algumas decisões são complexas e envolvem riscos. Ao atender todas as receitas médicas mais ou menos pertinentes, impõe-se
o risco de aumentar a resistência aos dois únicos medicamentos disponíveis - resistência essa já descrita, em relação a um
deles, em pacientes residentes em pelo menos quatro países: Dinamarca, Japão, China e Canadá. Adicionalmente, embora existam
dois antivirais em fase de pesquisa, há que destacar uma das últimas publicações do Centro de Controle de Doenças e Prevenção
(CDC) de Atlanta (EUA), que fez referência ao aumento de resistência do vírus da influenza sazonal ao oseltamivir em todo
o mundo.
Na tentativa de otimizar recursos e dar o cunho assistencial que a situação exige, segundo o próprio CDC, as recomendações
para a solicitação do exame para o diagnóstico devem-se restringir às seguintes situações: todos os pacientes internados,
adultos e crianças, tidos como comprovados, prováveis ou suspeitos e pacientes considerados de risco aumentado para complicações.
A realização do exame também é importante para o monitoramento das alterações genéticas e alteração da resistência do vírus
aos antivirais.
Várias vacinas encontram-se em desenvolvimento. Uma delas já está em estudos clínicos na Austrália. Sem dúvida, é a principal
expectativa na prevenção dessa nova doença e se encontrará disponível para o próximo inverno no Hemisfério Norte.
Há ainda muito a apreender com essa pandemia e com o vírus. Todos devemos continuar atentos, informados e vigilantes,
mas não permitindo que o alarmismo provocado por poucos nos deixe entrar em pânico.
David Uip, médico infectologista, é diretor do hospital estadual Emílio Ribas, em São Paulo