30/11/2008
A era do Dr. Google
A decisão da Anvisa de retirar do mercado alguns antiinflamatórios inibidores de COX-2 e mudar as regras para a venda
desses produtos reacendeu o debate sobre a segurança dos medicamentos.
A medida, motivada pelo elevado registro de reações adversas, é, no mínimo, contraditória e questionável.
Antiinflamatórios tradicionais há décadas no mercado historicamente registram muito mais queixas de problemas graves.
O fato, no entanto, foi ignorado pelas autoridades. É consenso que não há remédios isentos de efeitos colaterais ¿ em média
10% dos pacientes apresentam alguma reação relacionada ao seu uso. Por isso, tanto se defende o uso racional. Também é inegável
que a decisão reflete uma tentativa equivocada de corrigir deficiências do sistema de saúde pública que, incapaz de atender
dignamente os cidadãos, estimula a automedicação.
Nesse cenário, ganha força o "Dr. Google"
Graças à velocidade e ao volume de dados disponíveis na internet, o paciente está mais informado sobre doenças e terapias.
Contudo, assim como a internet ampliou a co-participação do paciente no tratamento, também aumentou os riscos do uso indiscriminado
de remédios.
Lentamente, o "Dr. Google" assume o papel de parentes e amigos na indicação daquela receitinha infalível. Como no Brasil
o acesso aos medicamentos, inclusive de prescrição, é facilitado pelo frouxo controle no balcão das farmácias, o risco de
problemas é enorme.
A mobimortalidade por medicamentos é um problema de saúde pública.
O percentual de internações por intoxicação medicamentosa varia de 5% a 21%. O mais incrível é que 50% poderiam ser evitados.
Os números, maiores a cada ano, refletem o consumo excessivo, a falta de conhecimento das contra-indicações, a automedicação
e o uso indiscriminado.
A evolução medicamentosa nos permite hoje assistir a outra realidade em relação a diversas doenças severas e incuráveis.
É o caso da Aids.
Antes dos anos 90, a sobrevida do portador de HIV era de cinco a sete meses. Já supera os 100.
No entanto, para que avanços como esses continuem acontecendo, é preciso que todos os membros da cadeia ¿ laboratórios,
médicos, farmacêuticos e pacientes ¿ tomem consciência do uso racional de medicamentos, buscando aproveitar melhor os resultados
terapêuticos.
Afinal, os remédios foram concebidos para salvar vidas e não para intoxicar ou pôr em risco os pacientes.
É preciso aliar conhecimento a responsabilidade: isso é uso racional.
Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e professor da Unifesp