16/09/2014
Roberto Luiz d´Avila
Causa extremo repúdio o processo de brutalização da medicina e da assistência ao qual a sociedade brasileira está sendo submetida. A falta de investimentos e a gestão precária têm feito com que o funcionamento da Saúde, em geral, e do Sistema Único de Saúde (SUS), em particular, entrem numa espiral de problemas recorrentes que penalizam, sobretudo, profissionais e pacientes.
A pesquisa realizada pelo Datafolha, recentemente divulgada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), revela a justa medida do tamanho dessa crise sem precedentes. Quando 92% dos entrevistados dão notas inferiores a sete para a Saúde, vemos fortes indícios de que algo vai mal, muito mal. Se destacarmos que 60% atribuíram como conceito máximo quatro, temos a convicção de que estamos sob o signo do caos.
O Brasil merece uma saúde de qualidade. Ressaltamos essa afirmação para que não reste dúvida sobre a intenção do CFM ao jogar luz sobre esse quadro dantesco, confirmado cotidianamente pelas manchetes escabrosas dos jornais. A entidade, bem como os médicos brasileiros, são defensores da boa assistência, do SUS e de seus princípios constitucionais. Ponto!Num tempo de relativização de valores, esse apego às regras legais ganha críticas de quem não entende, ou não quer ver, que mais que nunca é preciso contar aos quatro ventos que sem mudanças efetivas e urgentes o SUS – como proposta moderna, democrática e avançada – estará fadado à falência. Fechar os olhos para esse desafio ou criar respostas desconectadas da realidade nada resolvem, apenas cristalizam os problemas.
Assim, o abandono do modelo criado com a Constituição de 1988 aparece no financiamento precário, que não acompanha os percentuais de comprometimento do Estado em países que mantêm sistemas universais, semelhantes ao brasileiro. Também surge na má gestão dos recursos disponíveis, que nunca são gastos como deveriam, fazendo com que bilhões não saiam dos cofres públicos.
A ausência de políticas de recursos humanos que valorizem o empenho de médicos e outros profissionais de saúde, estimulando-os a se manterem no SUS, é outra forma de sucatear essa conquista da sociedade. Em lugar das ações estruturantes, de longo prazo, as apostas são midiáticas, imediatistas e mais preocupadas em criar grifes e marcas de gestão.
A crítica do CFM não difere da de outros órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União, a Defensoria Pública, o Congresso Nacional e o Ministério Público. Todos, em diferentes momentos, têm apontado o mesmo: a gestão do SUS se isolou numa torre de marfim e fecha os ouvidos aos apelos da população.
Os gestores precisam abandonar essa postura autoritária e dialogar de fato com as entidades de classe, a academia, os especialistas e os representantes da população sem temer o contraditório. O SUS nasceu desse embate de ideias, onde a crítica era entendida como elemento de reconstrução e não de destruição.
Pensar e agir diferente apenas demonstram a atual vocação limitada para a democracia que atravessamos: um desvio de conduta que apaga as virtudes do SUS, não lhe agrega nenhum valor e faz aumentar o sentimento de revolta e insatisfação. Tudo isso indica que se alguém tem agido de modo tendencioso, irresponsável e contra o SUS, não é o CFM.
Artigo escrito por Roberto d'Ávila, presidente do CFM.
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