13/05/2008
80% dos curitibanos dizem não à maconha
Polêmica envolvendo manifestação pró-legalização reabre discussão sobre a cannabis sativa
Oito entre dez curitibanos são contrários à legalização da maconha, embora 58% considerem que os efeitos nocivos da erva
à saúde são semelhantes ou até menores do que os provocados pelo consumo do cigarro e 63% pensem o mesmo em relação às bebidas
alcoólicas. Os números foram apurados por levantamento de opinião do Instituto Paraná Pesquisas. Entre os dias 7 e 8 de maio,
450 moradores da capital paranaense foram ouvidos. A margem de erro da pesquisa é de 4,5 pontos porcentuais.
Segundo o levantamento, 58% dos entrevistados acreditam que a liberação e regulamentação da venda da maconha não diminuiriam
os problemas causados pelo tráfico de drogas. Talvez, por isso, os curitibanos concordem com as decisões judiciais que proibiram
a realização da Marcha da Maconha, no último fim de semana: 77% dos participantes da pesquisa apóiam a medida.
Por trás dos números da entrevista está uma sociedade que voltou a pensar sobre o uso da cannabis sativa e suas relações
com a segurança e a saúde pública. A maioria da população acredita que o ato de fumar maconha acarreta em risco para a sociedade
e refuta o argumento de que a droga é um vício menor, que não traria perigos extremos para a saúde e que, por fazer mal apenas
ao usuário, seria uma decisão de foro íntimo.
"Temos uma sociedade doente devido ao álcool e às drogas também. As pessoas estão sentindo esse problema. Eu sinto isso
com amigos, alunos e colegas", conta o professor Antônio dos Santos Neto, coordenador da pós-graduação em Filosofia da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Para ele, a maconha, assim como o álcool, tem potencial para comprometer o tecido social
das relações humanas. A diferença estaria no marketing de cada substância. "As bebidas alcoólicas têm uma indústria poderosa,
uma mídia que vende a imagem de bem-estar, de saúde. A maconha, desde a década de 70, virou um modo de vida da contracultura,
veio junto como uma etiqueta do use, tenha um estilo", afirma.
"Que se endureçam ainda mais as restrições à venda do álcool e do cigarro... Mas legalizar a maconha é ir no caminho inverso
de todo esforço que tem sido feito pelas políticas de saúde brasileiras", defende o senador Flávio Arns (PT-PR), membro da
Comissão de Saúde do Senado Federal.
Do outro lado da discussão está uma minoria da população que vê na atitude dos 80% que condenam a maconha como medo e
hiprocrisia. "É por causa desses dois fatores que a droga continua criminalizada", afirma o sociólogo Pedro Bodê, coordenador
do Centro de Estudos em Segurança e Direitos Humanos da UFPR. Para ele, o principal efeito da droga é fazer com que uma legião
de jovens seja tratada como criminosa por usar uma substância química. "Gráficos da polícia norte-americana mostram que quanto
mais crescem os investimentos em repressão, mais usuários passam a utilizar a droga e mais violência passa ser gerada no processo",
diz.
A posição de Bodê é semelhante à do psiquiatra e pesquisador Sérgio Seibel. "Tomamos como referência o que aconteceu nos
Estados Unidos durante a chamada Lei Seca, onde se bebia muito e se adoecia e morria pelas conseqüências de produtos venenosos
adicionados ao álcool, como o iodo, por exemplo."
No entendimento de Seibel, as drogas ilegais ocuparam, no mundo, o papel que as bebidas tinham nos Estados Unidos na década
de 30. "A criminalização dos comportamentos já mostrou o que tinha de ser mostrado. Os efeitos do proibicionismo são os mais
perversos possíveis", afirma.
Os exemplos que vêm de fora são utilizados também por quem é contrário à legalização. "Os países pioneiros na legalização
do uso de drogas hoje estão repensando essas políticas. Na Holanda há uma pressão muito forte para criminalizar novamente
a maconha", diz o advogado e professor de Processo Penal da UniCuritiba, Alexandre Knopfholz.
Na Europa, Estados Unidos ou Brasil a grande questão da droga talvez resida no fato de que há um público que aceita seus
malefícios. Para Bodê, na atual engrenagem mundial, cada dólar ou real investido na repressão à maconha faz o efeito contrário
e cria mais um usuário. Mesmo entre quem condena a legalização, não há muita esperança de que uma sociedade consiga eliminar
o uso de drogas, lícitas ou ilíticas, da ordem do dia. "Não há sociedade sem pecados", finaliza Neto.
O que diz a lei
A Lei 11.343, de 2006, mudou o entendimento jurídico sobre drogas no Brasil. Quem fuma maconha continua cometendo um crime,
porém não sofre mais pena privativa de liberdade.
Medidas
- O usuário está sujeito à: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e cumprimento
de medidas educativas - comparecimento a programa ou curso.
No mundo
- Em 1961, em uma convenção da ONU, a maconha foi considerada, junto com a heroína, a mais perigosa das drogas.
No Brasil
- A primeira lei antimaconha brasileira data de 1830, quando a Câmara Municipal do Rio de Janeiro tornou ilegal a venda
e o uso da droga na cidade. Os contraventores seriam punidos com penas que iam do pagamento de multa no valor de 20 mil réis
até três dias de cadeia.
Revisão
- Na Grã-Bretanha, que em 2004 classificou a maconha como sendo de classe menos perigosa e eliminou a pena de prisão para
os consumidores, há uma pressão para que se reavalie a classificação.
Supermaconha
- Embora estatísticas do Ministério do Interior mostrem que houve queda no número de consumidores, a chegada de uma variedade
mais forte da droga, chamada de "super-skunk", levou o governo a criar uma comissão médica para reavaliar a situação da maconha.