03/02/2009

25 anos após 1º bebê de proveta, País não tem lei de reprodução assistida

Ao completar 25 anos do primeiro bebê de proveta brasileiro, o País ainda não tem uma legislação específica sobre a reprodução assistida. Isso quer dizer que, na prática, há poucos parâmetros legais e cabe a cada profissional decidir se faz ou não, e de qual maneira, escolha do sexo da criança, doações de óvulos e esperma, uso de material genético de terceiros, fertilização em casais com HIV, congelamento de óvulos e descarte de embriões. Tampouco existem órgãos fiscalizadores próprios para isso, menos ainda comissões que acompanhem o que acontece nas clínicas privadas.

"A falta de regra e fiscalização transformou o Brasil em um destino de turismo reprodutivo", afirma o juiz Pedro Aurélio Pires Maringolo, professor de Direito do Mackenzie e estudioso do assunto. "Como temos uma capacidade técnica muito boa, estrangeiros vêm para cá fazer o que na Europa e nos Estados Unidos é proibido."

A única regulamentação sobre o tema é uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 1992 - ou seja, há 17 anos, período no qual técnicas avançaram, abrindo novas possibilidades de intervenção. Por ela, fica proibida a implantação de mais de quatro embriões (nos Estados Unidos e Europa é permitido apenas dois), a venda de óvulos ou sêmen e o pagamento de barriga de aluguel.

"A resolução é boa, mas muito se avançou na área. Deveria ter uma lei que detalhasse mais. Até porque a resolução atua só sobre o médico, não sobre o cidadão", diz o obstetra Pablo Chacel, corregedor do CFM. Ele explica que, por se tratar de normas de um conselho de classe, infrações contra ela podem gerar punições para o médico, não sanção penal.

Além disso, segundo o urologista Jorge Hallak, especialista em infertilidade masculina, a falta de legislação e de um protocolo de conduta faz com que no País se usem técnicas de reprodução assistida em casais que não precisam. "Há pessoas muito sérias, mas há muita gente que não investiga as causas da infertilidade do casal. Desse modo, fazer uma fertilização in vitro sem saber por que a pessoa não engravida, é como fazer um transplante de coração sem ter feito um ecocardiograma. É absurdo e não traz resultados."



OUTRAS OPÇÕES

Hallak explica, por exemplo, que em dois terços dos casos de infertilidade masculina há tratamentos que resolvem o problema sem a fertilização.
Nesses casos, os casais ficam sem saber a quem recorrer, procurando o médico que garantir mais resultados. "O casal com infertilidade apresenta uma fragilidade e está sob elementos psicossociais muito fortes. Se você falar para esse casal que ela vai engravidar se eles forem de ponta-cabeça e mindinhos esticados até a igreja do Bonfim, eles vão. O médico tem muito poder nessa situação", diz Bela Zausner, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.

Com tudo isso em jogo, fica nas mãos de cada profissional o modo de agir. "O problema da falta de lei é que tudo acaba resvalando na moral e ética de cada médico para acontecer. Por exemplo, tenho muitos pacientes que chegam pedindo a sexagem, mas desestimulo no primeiro filho. É uma prática interessante em alguns casos, não para todos os casais que queiram", diz. "É preciso ser flexível na discussão desse tema, e dos outros que envolvem a reprodução assistida, e não pensar em proibir totalmente."

A escolha do sexo dos filhos e contratação de assistentes para captar doadores de óvulos entre estudantes universitárias em troca de exames são práticas que foram defendidas publicamente no passado pelo médico Roger Abdelmassih, dono da maior clínica no País. Ele atualmente é investigado pelo Ministério Público e pela polícia por causa da acusação de ex-pacientes de suposto assédio sexual em sua clínica. Em entrevista ao Estado no final do mês passado, Abdelmassih, ao comentar sobre críticas de que usaria técnica para determinar o sexo do bebê, respondeu com pergunta: "Como eu posso dizer não a um paciente árabe ou judeu que tem quatro filhas e não aguenta mais tentar ter um filho homem?"


Especialista defende conselho

"Digo há anos que há um vazio legislativo criminoso, que deixa este campo ao deus-dará", afirma Volnei Garrafa, titular da cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília (UnB). Para o professor, a ausência de um conselho de Bioética no País está por trás do problema.

Segundo Garrafa, o conselho poderia debater a questão de maneira "pluralista e multidisciplinar" para que uma proposta de lei chegasse menos polarizada ao Congresso. A existência do órgão na França foi essencial para que o País discutisse e aprovasse regras para a reprodução assistida.
O mesmo aconteceu na Inglaterra, onde foi formado um conselho e uma comissão com filósofos, médicos e cientistas para elaborarem uma lei do embrião.
Aqui, o Executivo enviou em 2005 ao Congresso Nacional, em regime de prioridade, um projeto para a criação do conselho de Bioética, elaborado com base em iniciativa da sociedade civil, mas até hoje a proposta não foi analisada pela Casa.

Também estão parados no Congresso pelo menos quatro projetos que tratam da reprodução assistida, alguns enviados há dez anos, outros há cerca de dois, mas nenhum deles foi construído de maneira multidisciplinar, com debates amplos, e contam com pouco apoio das entidades médicas.


Fonte: O Estado de São Paulo

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